Embora inicialmente mais ocupada em saber se o espaço aéreo espanhol abriria ou não para eu passar e regressar hoje a Lisboa (regressei e sem um minuto de atraso…), tive depois ocasião de ler páginas e páginas de vários jornais espanhóis, durante dois longos voos.
1 - É verdade que os controladores aéreos espanhóis ganham principescamente? Muito provavelmente, mas alguém o foi permitindo, ao longo das mais de três décadas de democracia, por razões mais ou menos eleitoralistas. Não o conseguiram de metralhadoras na mão.
2 - Estavam em curso, pelo menos há um ano, negociações sobre esta questão (40% de redução salarial pretendida pelo governo, o que é duro de roer por mais elevada que seja a maquia) e, também, sobre o número máximo de horas de trabalho.
3 – No passado dia 3, véspera de uma longa ponte a nível nacional, o Conselho de Ministros decidiu encerrar a questão. Porquê nesse dia tão crítico? Ouvi a pergunta feita por vários jornalistas, sem que algum tivesse recebido uma resposta satisfatória do governo de Zapatero (ou de Rubalcaba?). Os controladores não estavam à espera desse desfecho, já que, na véspera, tinham anunciado uma greve para fim de Dezembro como protesto contra a privatização parcial da AENA, simultânea com outra, de pilotos em litígio com o governo a propósito da duração máxima de trabalho. Porquê, então, sobretudo nesse dia? «Está claro que enfrentarse a este colectivo es relativamente barato por su impopularidad. El Gobierno ha optado por recuperar autoridad aprovechando el bajo coste de oportunidad del enfrentamiento.»
4 – Os controladores reagiram intempestivamente com abandono dos postos de trabalho? Sem dúvida (já lá vou).
5 – O que fez Rubalcaba e sus muchachos (Zapatero recolheu-se nos bastidores…)? Subiram brutalmente a parada, decretaram estado de alarme por quinze dias e «militarizaram» os controladores. E já vieram dizer hoje que, muito provavelmente, irão prolongar a situação por dois meses! Bem significativa a frase do dito Rubalcaba: «Quien le echa un pulso al Estado pierde». Será?
Resumindo: quem desencadeou a crise no pior dia para o fazer foi o governo, como foi ele que respondeu a uma greve «radical» com um autoritarismo feroz. O futuro próximo revelará as consequências, mas o PSOE foi o principal responsável pela mudança de cenário e de patamar.
Reacções? Com honrosas excepções, as que encontrei por cá à chegada, na blogosfera «de esquerda», foram de aprovação tácita das medidas do governo espanhol, com distanciamento em relação aos controladores (direito à greve, sim, mas by the book ou de «pobrezinhos», nunca de gente bem paga) ou, em muitos casos, um ensurdecedor silêncio (alô, Arrastão?). Porquê exactamente? Ainda não percebi bem – ou percebi bem demais?...
Claro que as greves e outras manifestações «legais» continuam a ter o seu papel, mas não são suficientes e existirão outras. Porquê? Porque não estamos a viver em período normal mas sim em circunstâncias em que «o “estado de alerta” não só já está declarado como se transformou em rotina social», como muito bem observa o João Tunes.
E «greves selvagens», com foi decidido qualificar esta, são talvez uma forma relativamente amena do que está para vir. Habituemo-nos, é a vida!
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13 comments:
A questão do ordenado principesco e da sua redução em 40% leva-nos a um ponto interessante: não deveríamos lutar para reduzir de igual modo o salário milionário de certos gestores de empresas públicas? O "gestor" é considerado "trabalhador"?
Pois, mas nesses ninguém toca. Aí é que está uma das questões.
"Habituemo-nos é a vida " ai Joana isso não era do António Vitorino ?
Greve ? Selvagem ? Ou meteram atestados médicos ?
Ok dá tudo no mesmo. As greves para produzirem efeito têm que doer ? Sim. Mas quem as faz, num estado de direito , sabe que há consequências .
A assim estamos :
a vanguiarda do proletariado pela Ibéria :
controladores aéreos, juizes, professores, magistrados do ministério público .
Eu posso emprestar uns fatos de macaco ( ainda os tenho ) para se mascararem.
Cumprimentos
P.S. percebi, pela leitura dos seus posts, que a viagem à Argentina foi uma viagem ao Paraíso.Ainda bem
Por cá é (era) assim: a ANA, equivalente da AENA espanhola, era uma empresa que tinha, como a AENA a dupla missão de gerir os (alguns dos) aeroportos nacionais (3 do Continente e 4 dos Açores) e de ordenar e controlar o espaço aéreo nacional, com duas Regiões de Informação de Voo. Houve a cisão da Empresa, com o apoio tácito dos controladores, com o objectivo de privatizar a parte aeroportuária. Em todas as greves e outras lutas promovidas pelo sector do Controlo, estes trabalhadores foram assumindo cada vez mais uma situação de privilégio gritante relativamente às demais classes profissionais da Empresa, primeiro e, depois, das duas empresas, a ANA-Aeroportos e a NAV-Navegação Aérea. Aconteceu por diversas vezes que, mesmo em anos em que as restantes classes profissionais não recebiam aumentos, a dos Controladores era sempre beneficiada principescamente. Merecem? Talvez, pelo menos na perspectiva deles. Mas criaram-se internamente fossos enormes e de grande injustiça e, sobretudo, pela parte da generalidade da classe do Controlo uma prepotência na gestão da própria Empresa e um relacionamento excessivamente elitista com as restantes classes profissionais. De modo que... talvez seja preconceito meu, mas... Pelo menos os controladores da AENA parecem opor-se à divisão da Empresa, o que já é um passo a um nível superior ao que por cá se passou!...
António, a viagem foi óptima! Quanto aos fatos-macaco: é farda necessária para greves, do seu ponto de vista?
Jorge,
Eu não tenho dúvidas quanto aos privilégios de algumas categorias de profissionais como estes (e pilotos, já agora).
Mas repito: quem foi deixando que os adquirissem tem de saber lidar agora com o problema sem ser com os pés. Ou, no limite, teremos estados semi-militarizados por dá cá aquela palha.
De acordo, Joana, de modo algum apoio o modo e a forma que o Governo espanhol adoptou para lidar com esta questão! Só que não me parece que haja aqui lugar para maniqueísmos: dum lado os "bons" e do outro os "maus"...
A uma paralização abrupta, responde-se com a força bruta, creio que só os controladores não entenderam isso, ou estavam á espera que a Joana ainda estivesse na Argentina!? Depois: de fato não se percebe como se triplica?, um vencimento com trabalho extra, pelo menos têm que trabalhar + 50% do período normal de trabalho. Ora para quem alega que o período normal é curto devido ao desgaste/stress e depois faz + metade da jorna, porque o preço compensa, acaba po ficar sem argumentos convicentes para resistir tanto ao empregador como aos "pagadores".
As estrelas da música, do cinema, do desporto, das artes e outras actividades que não sendo VITAIS são pagas a milhões que sejam taxadas de maneira que se possam pagar ordenados principescos aos controladores. Sem controladores aéreos não há voos e para trabalhar nos ramos mencionados em 1º há legiões de candidatos dispostos a fazê-lo de borla apenas pelo prazer ou pela fama. Que fazem de tão fundamental essas estrelas pagas a milhões para que ganhem IMENSAS vezes mais que um cirurgião?
Nem só de pão vive o homem mas sem controladores aéreos e pilotos teria-mos que suportar as greves dos maquinistas ou dos marinheiros e as viagens seriam bem mais longas. Se Angelina Jolie e Elton John fizerem greve talvez não se note tanto. Bem, dado que li há uns anos, que Elton John teria gastos de 20 mil contos por dia talvez alguém notasse. Se é aceitável que alguém (por muita admiração que cause entre os suburbanos deslumbrados)possa ter despesas de 100.000 euros diários não vejo porque profissões fundamentais não sejam pagas príncipescamente com taxas a aplicar aos vários star systems. Incluo grandes empresários e o jetset em geral. Porque esta gente tem mais direito ao luxo do que quem tudo garante? Outro dia faltavam 250.000 euros em medicamentos para o Haiti mas para a Banca irlandesa arranjou-se NOVENTA MIL MILHÕES!
Jorge,
Totalmente de acordo. Aqui não houve «bons».
Fernando F
«A uma paralização abrupta, responde-se com a força bruta»: totalmente em desacordo. Experimente o seu método com os seus filhos e subordinados, se os tem, e verá o resultado!
Anónimo,
Estive para perguntar qual seria a reacção «das gentes» se tivessem cortado 40% ao Ronaldo e ao Mourinho e estes tivessem deixado de aparecer em jogos...
Joana; também não concordo em absuluto, só em última análise. Quanto à experiência, nunca foi necessária, em qualquer dos fatores mencionados.E depois não se pode misturar vencimentos fortuitos com regulares, é tão óbvio como o Delgado.
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