Em vésperas de eleições, é recorrente a discussão sobre o método de Hondt, seus méritos e desméritos na distribuição de mandatos, eventual substituição por outro tipo de cálculo (por exemplo, a proporcionalidade), estatuto de abstenção, brancos e nulos, etc., etc., etc.
Talvez pelo que está em jogo no próximo Domingo, e pelas estreitas margens de diferença entre dois partidos, que as sondagens têm divulgado, parece ter agora crescido o interesse pelo assunto. (Só para se ter uma ideia, uma simples questão que pus ontem, num grupo a que pertenço no Facebook, já teve até este momento cerca de 80 respostas / comentários.)
Há muita literatura sobre o tema e os mais interessados poderão esmiuçar este estudo de Carlos Calado, que não cito pela primeira vez: A Votação e a Matemática. Se volto a ele, é porque me parece importante sublinhar alguns pontos importantes que têm a ver com muitas discussões em curso, neste preciso momento, sobre «voto útil», impacto da escolha de pequenos ou grandes partidos, etc., etc.
Alguns itens que não dispensam a leitura do texto na íntegra, mas que merecem reflexão:
- «Não é apenas o partido mais votado que beneficia [da aplicação do método do Hondt], pois os grandes e mesmo os médios partidos também acabam por obter significativos dividendos do processo, em detrimento dos pequenos partidos.» Ou: «É assim esta a lógica do método de Hondt, em que se “comprime” o número de eleitos pelos partidos menos votados, “expandindo-se” o número de eleitos pelos partidos mais votados.»
- «Com este sistema vigente, a tendência é a de bipolarização partidária, pois o povo reconhece que apenas dois dos partidos têm hipótese de alcançara vitória. Como tal, verifica-se um constante apelo ao voto útil, sacrificando ainda mais os restantes partidos, que dificilmente conseguirão balanço suficiente para vir a beneficiar do processamento dos votos.»
- «Situações estranhas decorrem do facto de não se apurar a representatividade de cada partido através de um escrutínio nacional, mas sim através do somatório dos resultados de 22 círculos eleitorais. E de esses resultados nos círculos eleitorais não serem estabelecidos livremente em função do número de votos obtidos pelos partidos, mas estarem à partida condicionados pelos número de mandatos previamente atribuídos a cada círculo eleitoral. (proporcionalmente ao número de eleitores recenseados).»
- «Qual a consequência dos votos Brancos ou Nulos? – nenhuma !!!, ou melhor dizendo, acabam por favorecer os maiores partidos, pois o número destes votos não entra nas contas para estabelecer os quocientes do método de Hondt. Qual a consequência das abstenções? – nenhuma !!!, ou melhor dizendo, acabam por favorecer os maiores partidos, pois o número de abstenções não entra nas contas.»
O realce é meu e dispensa «conselhos», certo?
(Não entro na descrição da solução «mais democrática» proposta pelo autor, mas vale a pena compreendê-la.)
(Imagem de Kate MacDowel)
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8 comments:
Cara Joana
Acho notável o seu esforço para tentar esclarecer a inutilidade do voto em branco e nulo e ainda a transformação dos votos em deputados. Mas há uns anos fiz uma pequena exemplificação do método utilizado e verifiquei que este não deturpa grandemente a transformação dos votos em deputados. O problema principal é o da existência de círculos por distrito. Assim, os votos de um pequeno partido num círculo em que não elege nenhum deputado perdem-se totalmente. Os votos do PCP ou do Bloco em Bragança, na Guarda ou em Portalegre não contam. Por essa razão, na altura, os deputados do PCP correspondiam a muitos mais votos do que os do PS ou PSD. É também por esta razão que ao Bloco couberam, nas últimas eleições, muito menos deputados do que ao CDS que teve uma votação aproximada. Onde se verifica uma verdadeira distribuição proporcional é nas eleições europeias, em que Portugal no seu todo funciona como um círculo único. Por isso, há países em que os votos que num círculo eleitoral não serviram para eleger deputados são depois agregados num círculo nacional, que servem para eleger mais um ou dois deputados. Portanto eu não atribuiria ao método de Hondt utilizado a culpa pela má distribuição dos deputados, mas sim aos círculos eleitorais em que está dividido o país
Jorge, eu limitei-me a destacar algumas cas conclusões do autor do texto...
Como abstencionista convicto e crente que é nas ruas que o grande debate da história se fez, faz e fará, penso que a abstenção é tão «inútil» quanto o voto em branco ou o voto nos «pequenos partidos», pois como nos diz Jorge Fernandes: «Os votos do PCP ou do Bloco em Bragança, na Guarda ou em Portalegre não contam.»
Bem vistas as coisas podemos ir mais longe, os votos não contam na hora da verdade em nenhum círculo, as decisões políticas, económicas e sociais, são sempre dos verdadeiros detentores do Poder, e esses na maioria dos casos nem estão em Portugal, nem são candidatos...
Por outro lado até os votos nos partidos dominantes são votos em ilusões e promessas na sua absoluta maioria, tirando como é óbvio o dos que votam nos seus próprios interesses. Ilusões e promessas que os funcionários desses partidos jamais pensaram levarem em conta.
Por tudo isso é que desde que existe esta «ilusão democrática» dos regimes representativos há os que denunciam os eleitores como carneiros a caminho do sacrifício ritual.
Melhor que a ditadura e o chicote? Certamente, mas não pelas ilusões eleitorais, mas pelo facto de podermos escrever, ou falar, o que quisermos sem Pides e informadores à perna!
Que fique claro, os votos no Bloco ou no PCP em distritos em que não elegem deputados, não contam para os eleger, mas contam sempre para a percentagem nacional. Por isso não se retire do meu texto que nesses distritos eu defendo o voto útil em qualquer outro partido. Também aí de deve votar à esquerda.
A Joana tem toda a razão. As conclusões não são suas mas do autor que cita. Simplesmente eu fico sempre um pouco nervoso quando se atribui ao método de Hondt culpas que ele não tem, quando a grande distorção é a utilização dos distritos, nas eleições legislativas, como círculos eleitorais.
Anónimo abstencionista,
É verdade que os verdadeiros detentores do poder não são eleitos, são os administradores de grandes grupos empresariais, bancos e de diversas organizações como o FMI.
Mas a decisão de acatar ou não as ordens desses senhores e de as aplicar efectivamente é dos eleitos. Têm o poder de os mandar simplesmente passear ou obedecer cegamente, que é o que tem acontecido cá há muitos anos. Noutros sítios não houve essa obediência, por isso os eleitos têm essa importância: a de assumirem eles os mandatos que lhes são conferidos e não delegar o poder a não eleitos.
Cara Joana :
Perdoe o rigorismo mas sobre um dos items que cita do autor em causa, o menos que posso dizer é que se trara de uma estranha ou descuidada forma de escrever.
O tal item refere isto (sublinhados meus) : «Não é apenas o partido mais votado que beneficia [da aplicação do método do Hondt], pois os grandes eMESMO OS MÉDIOS partidos também acabam por obter SIGNIFICATIVOS DIVIDENDOS DO PROCESSO, em detrimento dos pequenos partidos.»
Escrever assim é dizer estupidamente e sem evidente fundamento técnico que é a aplicação do método de Hondt aos médios partidos que lixa os pequenos partidos.
A única coisa que, em boa verdade das coisas , se pode dizer é QUE OS PARTIDOS MÉDIOS SÃO MENOS PREJUDICADOS QUE OS PEQUENOS.
MAS, SENDO PREJUDICADOS, NÃO FAZ NENHUM SENTIDO VIR DIZER QUE SÃO ELES QUE PREJUDICAM OUTROS.
Um método proporcional puro não tiraria nenhum deputado ao PCP e ao BE,antes lhes daria mais e os deputados que os pequenos partidos elegeriam seriam à custa da actual margem diferencial entre percentagem de votos obtidos e percentagens de deputados dos grandes partidos.
Estará mal redigido, Vítor, mas eu interpretei correctanmente. Ou seja: que é a aplicação do método de Hondt que prejudica mais os pequenos a favor dos grandes. (E, para ser sincera, nem liguei aos «médios», porque só pensei nos que têm representação parlamentar - PS e PSD versus os outros que, para este efeito, considerei pequenos.)
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