Li recentemente dois livros que abordam temáticas próximas, mas de pontos de vista diferentes e, em certa medida, divergentes (*). Os últimos capítulos aproximam-nos, porque ambos tratam do problema da procura de uma ética e de uma espiritualidade «sem Deus».
1. Relativamente a O Fim da Fé..., de Sam Harris (SH), remeto para a crítica já publicada por Rui Bebiano no Passado/Presente. Retomo apenas o essencial do objectivo que o autor se propõe.
«Espero conseguir mostrar que o próprio ideal da tolerância religiosa – com origem na ideia de que todos os seres humanos devem ser livres de acreditar naquilo que quiserem sobre Deus – é uma das principais forças que nos arrasta para o abismo.»
Nada de politicamente mais incorrecto poderia ser dito a este respeito, num tempo em que se propaga e acredita (será que se acredita mesmo?) que só diálogos, consensos e alianças de civilizações podem salvar este nosso mundo.
Concorde-se ou não, o livro de SH é uma pedrada no charco e identifiquei-me com muito do que li. Gostei menos dos últimos capítulos, mais teóricos e um tanto ou quanto prosélitos. Curiosamente, são os que se aproximam mais das teses centrais da obra que refiro a seguir.
2. Em L’Esprit de l’Athéisme..., de André Comte-Sponville (AC-S), laicidade é o nome do combate que o autor se propõe travar, a par da procura de uma espiritualidade para os ateus. Ao contrário de SH, AC-S valoriza a tolerância (considerada «um bem precioso»).
«Basta-me este mundo: sou ateu e feliz por sê-lo. Mas outros, certamente mais numerosos, não são menos felizes por terem fé. Talvez porque precisem de um Deus para se consolarem, para se tranquilizarem, para escaparem (...) ao absurdo e ao desespero ou, simplesmente, para darem coerência à vida.»
O autor define-se como um «ateu fiel» – «fiel porque me reconheço numa certa história, numa certa tradição, numa certa comunidade e especialmente nos valores judaico-cristãos (ou greco-judaico-cristãos) que são os nossos.(...) Quando já não se tem fé, resta a fidelidade».
Segue-se um longo capítulo sobre a diferença entre agnosticismo e ateísmo, onde AC-S sublinha que «crer em Deus, de um ponto de vista teórico, significa sempre querer explicar algo que não se compreende – o mundo, a vida, a consciência – por algo que ainda se compreende menos».
Na última parte do livro, explica-se a urgência de reencontrar uma espiritualidade sem Deus, sem dogmas, sem Igreja, que nos defenda tanto do fanatismo como do niilismo.
«Espero conseguir mostrar que o próprio ideal da tolerância religiosa – com origem na ideia de que todos os seres humanos devem ser livres de acreditar naquilo que quiserem sobre Deus – é uma das principais forças que nos arrasta para o abismo.»
Nada de politicamente mais incorrecto poderia ser dito a este respeito, num tempo em que se propaga e acredita (será que se acredita mesmo?) que só diálogos, consensos e alianças de civilizações podem salvar este nosso mundo.
Concorde-se ou não, o livro de SH é uma pedrada no charco e identifiquei-me com muito do que li. Gostei menos dos últimos capítulos, mais teóricos e um tanto ou quanto prosélitos. Curiosamente, são os que se aproximam mais das teses centrais da obra que refiro a seguir.
2. Em L’Esprit de l’Athéisme..., de André Comte-Sponville (AC-S), laicidade é o nome do combate que o autor se propõe travar, a par da procura de uma espiritualidade para os ateus. Ao contrário de SH, AC-S valoriza a tolerância (considerada «um bem precioso»).
«Basta-me este mundo: sou ateu e feliz por sê-lo. Mas outros, certamente mais numerosos, não são menos felizes por terem fé. Talvez porque precisem de um Deus para se consolarem, para se tranquilizarem, para escaparem (...) ao absurdo e ao desespero ou, simplesmente, para darem coerência à vida.»
O autor define-se como um «ateu fiel» – «fiel porque me reconheço numa certa história, numa certa tradição, numa certa comunidade e especialmente nos valores judaico-cristãos (ou greco-judaico-cristãos) que são os nossos.(...) Quando já não se tem fé, resta a fidelidade».
Segue-se um longo capítulo sobre a diferença entre agnosticismo e ateísmo, onde AC-S sublinha que «crer em Deus, de um ponto de vista teórico, significa sempre querer explicar algo que não se compreende – o mundo, a vida, a consciência – por algo que ainda se compreende menos».
Na última parte do livro, explica-se a urgência de reencontrar uma espiritualidade sem Deus, sem dogmas, sem Igreja, que nos defenda tanto do fanatismo como do niilismo.
Sem que nenhum dos dois livros tenha correspondido totalmente às minhas expectativas (criadas pelos títulos e pelo início da leitura), são ambos importantes e ajudam a reflectir sobre questões indiscutivelmente cruciais.
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(*) Sam Harris, O Fim da Fé. Religião, Terrorismo e o Futuro da Razão, Tinta da China, Lisboa, 2007, 352 p.
André Comte-Sponville, L'ésprit de l'Athéisme. Introduction à une Spiritualité sans Dieu, Albin Michel, Paris, 2006, 222 p.
2 comments:
Olá, Joana! :)
temas bem interesantes! Já li o post do Rui Bebiano.
Se eu fosse (e mesmo não sendo) norte americana, também me inquietava e muito com o que por lá vai de evangelismo.
Em relação ao Islão, a mesmíssima coisa.
E quanto à Igreja Católica, não há caça às bruxas, mas as caçadas fazem-se...e o que eu conheço mais são velhinhas aterrorizadas com medo do inferno.
Como é que se combate isto? Eu sou pela tolerância e tal...mas também não tenho a certeza que o caminho é este. O lugar da mulher no Islão...tolerância uma ova! Mas com guerra...veja-se o belo resultado no Iraque.
Vou dizer um lugar comum (paciência); o mal a combater não são as religões (até porque nunca se conseguirão extinguir. Ao primeiro pedregulho já o Homem fez um altar.) Mas os radicalismos e fundamentalismos. E isso tanto vale para crentes como para ateus.
Qual a via correcta? Bem eu gostava de saber...
Pois, receitas não há...
Mas o que acho é que as falsas tolerâncias e os consensos forçados não fazem mesmo avançar a humanidade.
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