Como já aqui referi, este blogue publicará agora também textos que não são da minha autoria, como é hoje o caso com este de Miguel Serras Pereira.
Num texto publicado no Esquerda.net, intitulado “Vinte Anos Depois”, Francisco Louçã desenvolve sobre a queda ou derrubamento do Muro de Berlim algumas considerações um tanto desconcertantes.
Escreve, na primeira parte do comentário: «Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, floresce assim a ideologia contentatória: o comunismo acabou, diz Saramago e repete, com gosto evidente, António Vitorino. Frágil ilusão, contudo, pois continuou a ser possível ser cristão depois da Inquisição, social-democrata depois da votação dos créditos de guerra e mesmo depois do assassinato de Rosa Luxemburgo, e até continuou a ser possível ser economista liberal depois da grande depressão de 1929. Cada experiência trágica tem muitas leituras e nunca ninguém tem a última palavra. Como é possível ser socialista depois da queda da União Soviética e do seu muro, do mesmo modo que é possível – e necessário – ser socialista depois do colapso do subprime e da criminalidade financeira que se tornou deslumbrantemente evidente com a crise de 2008 e 2009.» O que, se bem o leio, significa que a queda do muro foi um mal ou um momento de crise do socialismo – ainda que não torne impossível ser-se socialista, como os males que afectaram o capitalismo não impede que este tenha defensores, ou a Igreja fiéis apesar da Inquisição. A queda do muro teria sido, pois, uma dificuldade ou uma derrota a superar. Esta maneira de ver não se distingue em nada de fundamental da oficialmente sustentada pelo PCP e por todos aqueles para quem a derrocada do regime em vigor na ex-URSS e outros países do “socialismo realmente existente” são um retrocesso histórico e político, a reparar. E diz-nos, bem vistas as coisas, que, embora talvez sejam desejáveis, as liberdades democráticas não são condições essenciais da construção do socialismo, que um regime pode ser socialista ou uma superação avançada do capitalismo ao mesmo tempo que oprime os trabalhadores e o conjunto da população, que uma economia estatizada, colectivamente dirigida e possuída por uma camada burocrática que dispõe dos meios de produção e estabelece os critérios de distribuição, decidindo também do que destina ao consumo (desigual) e ao investimento, é menos opressiva e mais progressista do que a que vigora sob os regimes oligárquicos “ocidentais”.
Mas eis que, quando mentalmente nos ocupamos de refutar Louçã, dizendo-lhe que não há socialismo sem democracia, que a democracia é condição necessária do socialismo, etc., eis que FL - depois de um absolutamente inócuo parágrafo sobre a insuficiência dos julgamentos e a necessidade de compreender (cujo autor, creio, é La Palice, apesar de FL não o citar) - parece querer roubar-nos as palavras da boca ou do pensamento, e escreve: «Compreender a derrocada de uma mentira, de um sistema social esgotado no privilégio e na desigualdade, na repressão e na censura, no militarismo e no Gulag. A queda do Muro foi o episódio final de uma agonia perante a tensão social insuportável. Mas também ensina que o socialismo só pode ser o contrário do Muro: liberdade contra a censura, responsabilidade contra o controlo sindical, todos os direitos sociais, incluindo o pluripartidarismo, a liberdade de formar sindicatos ou de fazer greve.» O que só pode significar que a queda ou derrubamento do Muro, longe de ser um obstáculo que a nossa convicção socialista deve superar pela força da convicção, só pode ser saudada como um momento de libertação, uma ocasião favorável ao combate pela emancipação dos trabalhadores, uma condição de posteriores avanços na luta pelo socialismo democrático (o único concebível, ainda que sob várias formas) ou, se assim se preferir, “democracia socialista”.
Em que ficamos, então? Como devemos avaliar em termos políticos este exercício de, numa só e a mesma breve página, se afirmarem duas teses antgónicas e entre as quais não há síntese dialéctica possível? Será esta a plataforma “dos socialistas de esquerda, mais precisos do que nunca”, que FL invoca nas últimas palavras do seu texto? Será esta a plataforma que FL defende como base do alargamento e reforço do BE?
Miguel Serras Pereira
26 comments:
Não me parece haver qualquer contradição no texto de FL. Na primeira parte do texto FL apenas distingue entre ideal e (tentativa de) realização (do ideal), defendendo que é possível perfilhar um ideal mesmo que tentativas de o realizar tenham consequências contrárias aos objectivos idealizados. Isto porque ele sabe, como todos nós sabemos, que de um (qualquer) ideal não decorre logicamente um e apenas um modo de o realizar. No caso, existem propostas alternativas para a realização do comunismo, algumas delas que datam de antes da criação da URSS. Portanto, FL quer chamar a atenção para que a invalidação histórica de uma dessas vias (o marxismo-leninismo) não pode ser confundida com a invalidação do ideal que a motivou. E na segunda parte do texto, FL enuncia algumas das características que, na opinião dele, são essenciais em qualquer (nova) tentativa de realização do ideal comunista.
O problema é que o regime que caiu com o Muro na RDA não era uma tentativa desajeitada de construir o socialismo: era um regime anti-socialista, anti-popular, beneficiando os "chefes" que exploravam os trabalhadores e usurpavam os direitos mais elementares de todos os cidadãos - sim, é verdade que esses chefes diziam que os trabalhadores só tinham a ganhar em obedecer-lhes e em não discutir a sua autoridade, pois eram eles que sabiam, melhor que os interessados, o que era a "missão histórica" do proletariado. Diziam-no, e depois?
No comentário a um post publicado pelo Carlos Vidal, no 5dias, que aqui repito, porque é mais rápido assim, chamo a atenção para distinguir erros que se cometem na luta pelo socialismo de formas de organização e acção política incompatíveis com o socialismo:
"Os que entendem, como Rosa Luxemburgo, por exemplo (embora não por acaso), que não há socialismo sem democracia, que o socialismo é mais e não menos liberdade, que a democracia é condição necessária (e não suplemento de alma ou festão decorativo) do socialismo, sabem, como Rosa sabia e dizia, que o poder dos trabalhadores organizados e do conjunto dos cidadãos de uma república socialista pode cometer erros e não é concebível que os não cometa. Só que Rosa sabia e dizia também que mais valem esses erros e derrotas do poder democrático dos produtores associados do que as melhores verdades “científicas” do comité central do partido-guia. O que um regime socialista não pode fazer é afastar o poder democraticamente organizado dos cidadãos comuns e continuar a ser socialista. E, depois, só há uma maneira de instaurar a capacidade política dos produtores associados, e essa é o seu exercício. É governando que se aprende a cidadania governante" (http://5dias.net/2009/11/09/o-comunismo-do-daniel-oliveira-e-do-carlos-vidal/#comments ).
Não se pode dizer que a queda ou derrubamento do Muro foi a queda de uma experiência socialista deficiente, que devemos melhorar no futuro, ou uma derrota do socialismo, que não nos deve levar ao desespero, e, ao mesmo tempo, que o socialismo tem de ser o contrário, o oposto, um regime antagónico, dessa experiência. A derrota do socialismo foi o regime da RDA & Cia e não o seu derrubamento, embora este não tenha dado lugar a uma transformação democrática e socialista.
msp
Quando li o artigo de Louçã, vi globalmente o mesmo que tu, Miguel: uma posição voluntarista de resolver a quadratura do círculo (salvo seja…).
O comunismo falhou (a não ser que se considere que é bom o que existe na China, na Coreia do Norte e vizinhanças...) e custa-me muito a entender por que razão são feitos tantos malabarismos para não o reconhecer e para manter, pelo menos, a terminologia. O que penso pode resumir-se neste parágrafo que escrevi há dias neste blogue:
«Acredito utopicamente que o capitalismo em que vivemos não é certamente o fim da história e que algo de muito melhor acontecerá um dia, mas que isso resultará positivamente de todo o progresso da humanidade e não privilegiadamente do que se pensou e passou, algures a Leste, num afinal curtíssimo período da História.»
Porque não se parte da recusa do que não se quer (o capitalismo), ou seja do anticapitalismo?
Mas isto sou eu, (propositadamente) muito terra a terra…
Miguel Serras Pereira,
Tal como o Pedro Viana, não vejo qualquer contradição no texto de FL.
Creio que a segunda citação que faz dele evidencia o quanto ele é contrário ao programa desenvolvido na URSS e Europa de Leste, o que confirmaria a posição veiculada por ele mesmo e pelo BE desde sempre. A primeira citação indica apenas (na minha opinião, claro) que uma ideologia, uma forma de ver o mundo, pode dar azo a várias versões e 'modelos', por vezes contrários em aspectos fundamentais. Pode, até, dar azo a apropriações da própria ideologia, em que em nome do comunismo (por exemplo), se segue uma agenda própria, absolutamente contrária aos objectivos que se proclama defender - e isto foi magistralmente retratado no Triunfo dos Porcos, do igualmente socialista George Orwell - sem que isso implique que a ideologia inicial (o comunismo) seja 'má' ou 'contrária à liberdade' em si mesma. É assim tão espantoso que possa ser isto que FL defende nos eu artigo?
Declaração de interesses: simpatizante do BE, não comunista.
Joana, concordo perfeitamente com o teu parágrafo de há dias. Mas receio que dizermo-nos "anticapitalistas" não baste. É certo que o somos, e é também certo, parece-me, que o "socialismo realmente existente" manteve os traços essenciais da dominação capitalista, reforçando por via estatal a separação entre os produtores e os meios de produção e a subordinação dos trabalhadores a mão de obra. Mas teremos de nos definir não só contra. O anticapitalismo terá de ser subsidiário - uma consequência da vontade de democracia, entendida como gestão colectiva e igualitária dos produtores associados (dos agentes da actividade económica) e como participação política igualitária nas deliberações e tomadas de decisão que a todos dizem respeito. E é isso que teremos de responder quando alguém nos interpelar neste ou naquele contexto, perguntando: Mas, se não é pelo regime dos "países comunistas" ou pelo "poder absoluto de Estado", por que é que vocês querem substituir o capitalismo? Tão terra a terra como tu, portanto - que me dizes?
msp
Sérgio Pinto,
mas o derrubamento do regime de Napoleão no Triunfo dos Porcos não seria uma derrota da revolução, e, ou não sei ler, ou Francisco Louçã sugere que a queda/derrubamento do Muro foi uma derrota, ou um problema ou um motivo de desânimo (a combater) para o socialismo.
Passaram vinte anos, mais ou menos o mesmo tempo das polémicas acesas que Serras Pereira e Louçã protagonizavam nas páginas de alguma imprensa. Quem as guarde ainda na memória, dificlmente compreende este texto de Serras Pereira, que parece desconhecer (ou mesmo surpreender-se com) as críticas de Louçã aos regimes do outro lado do Muro, repetidas desde os anos 70. Quem não conhece estes pequenos episódios da extrema-esquerda doméstica, fica sem saber que há ódios de estimação que duram mais que muitos muros...
100% de acordo, Miguel, nomeadamente (é claro…) com isto: «O anticapitalismo terá de ser subsidiário - uma consequência da vontade de democracia.» Mas como princípio de conversa, actualmente já separa muitas águas: discussões recentes, e sem fim, com amigos «socialistas» (aqui, do PS ou eleitores do PS) passaram precisamente por aí – para eles, trata-se de «melhorar» o capitalismo, de o tornar «mais humano», tudo o resto é fantasia utópica ou impossibilidade de democracia.
Joana - 100 por cento de acordo, uma vez mais.
Júlio Sousa - o que me desconcerta no artigo do FL não são as críticas aos regimes de Leste, mas a maneira como numa página articula duas teses que se excluem mutuamente e que, caricaturando, são: 1. A queda/derrubamento do Muro de Berlim foi uma derrota do combate pelo socialismo 2. O socialismo terá de ser o contrário dos regimes anti-socialistas e anti-democráticos da RDA e da URSS (de onde se conclui que a queda do regime não foi uma derrota ou motivo de desânimo para o combate por uma democracia socialista).
Caro msp, basta atentar aos exemplos que FL dá de outras situações semelhantes, e do modo irónico como os introduz no discurso, para perceber que FL não defende no seu artigo de opinião que "A queda/derrubamento do Muro de Berlim foi uma derrota (do combate) pelo socialismo". De outro modo, tendo em conta as analogias de FL, este também acharia que "a existência da Inquisição foi uma derrota do (combate pelo) cristianismo" e "a grande depressão de 1929 foi uma derrota do (combate pelo) liberalismo económico". Mas o modo irónico com que FL recorre a estas analogias claramente indica que ele não tem essa opinião. Que seria a meu ver absurda. Ninguém a não ser um fundamentalista, que FL não é nem msp, acha que dum ideal logicamente e univocamente decorre a via para a sua implementação.
Caro Pedro Viana,
deixe-me pegar num dos seus exemplos:a verdade é que a crise de 1929 foi, sim, uma derrota dos adeptos do liberalismo económico - não uma derrota definitiva e completa, mas uma derrota; e por isso dizer que a crise de 1929 está para o liberalismo económico como a queda/derrubamento do Muro está para o socialismo, é considerar que o regime da RDA, como os outros afins, era, no fundamental, socialista.
Mas há mais grave: uma coisa é dizer que podem e devem existir várias maneiras de combater o capitalismo e o seu Estado, visando a instauração de um poder político democrático cujo exercício se abra à igual participação de todos (uma república de tipo conselhista, se quiser), outra coisa é desistirmos da faculdade de julgar e dos critérios que nos permitem distinguir uma democracia socialista do seu contrário. A via RDA não foi uma via falhada de revolução socialista, foi a via de um regime anti-socialista, anti-popular e anti-democrático.
Saudações republicanas
"A via RDA não foi uma via falhada de revolução socialista, foi a via de um regime anti-socialista, anti-popular e anti-democrático."
O que o msp está efectivamente a fazer é um juízo de intenção relativamente aos que activamente apoiaram os regimes em causa. Essencialmente, acusa-os, a todos, de nunca terem tido a intenção de implementarem o socialismo/comunismo, **tal como o entendiam**, mas de apenas estarem interessados no exercício do Poder através do Estado. Concordo que uma parte significativa agia movido por essa intenção, talvez até uma maioria. Mas não creio que não houvesse quem achasse que o socialismo/comunismo necessariamente, na sua implementação prática, teria que tomar a forma dos regimes em causa. Sendo assim, não é possível sustentar que os regimes em causa não foram (para alguns) uma via de tentativa de implementar o socialismo/comunismo, "tal como o entendiam". O msp até pode afirmar que esse entendimento do que é o socialismo/comunismo não está correcto. E eu até concordo consigo. Mas acho que é mais benéfico para a (unidade da) Esquerda assumir que todos os que se afirmam/afirmaram comunistas são/eram honestos nos seus intentos, com excepção de notórios criminosos como Estaline, do que acusar uma parte significativa dessas pessoas de desonestidade, ie. de apenas pretenderem apoderar-se do Poder por via do Estado. Percebe a diferença? No primeiro caso, estendo a mão e apelo à discussão do que correu mal e do que se pode fazer em conjunto no futuro. No segundo caso, alieno logo à partida uma parte significativa de pessoas "realmente" comunistas/socialistas, mas que ainda não se aperceberam do que poderão constituir vias alternativas (que para mim ou para si até se podem resumir a apenas uma) para a implementação do comunismo/socialismo. Parece-me que FL tentou escrever um texto que não caísse no segundo caso, evitando afirmar-se como detentor do verdadeiro conhecimento do que é o ideal comunista/socialista.
Caro Miguel Serras Pereira,
Saberá certamente ler, e terá a sua opinião, tão justa e livre como qualquer outra.
No entanto, para mim, FL é claro ao considerar o derrube do muro uma vitória. Parece-me que ele se opõe, isso sim, à forma como o derrube do muro serviu de plataforma para que algumas pessoas, particularmente Vitorino, 'alargassem' as suas conclusões e concluíssem que foi A DERROTA de todo o comunismo, não apenas de uma facção (apropriadora ou não de uma ideologia) à qual o próprio FL se opunha. Está mais clara agora a minha leitura do artigo de FL?
Caros Pedro Viana e Sérgio Pinto,
o problema é justamente que não me parece claro que o texto de FL considere a queda/derrubamento do Muro uma boa coisa. Se o faz, poderia ter sido mais claro. E aqui remeto-vos para o comentário da Joana no seu post de hoje "'Ismos' e 'Anti-ismos'".
Um segundo aspecto. Não ponho em dúvida que houve quem acreditasse sinceramente que no Leste se passava qualquer coisa como a construção do socialismo e que as medidas terroristas ou ditatoriais, a supressão das liberdades e direitos, etc. eram apenas um passo transitório, necessário, da instauração da sociedade sem classes. Mas as boas intenções ou credulidade de alguns não bastam para tornar os regimes que, consolidados, se caracterizaram pela existência de um Estado policial, pelo esmagamento das liberdades mais elementares, pela perseguição militante do pensamento crítico e do livre exame, por sistemas penitenciários atrozes e maisa não digo embora isto seja só da missa a metade - as boas intenções ou credulidade, dizia eu, não bastam para tornar os regimes em causa uma via para essa extensão radical da democracia e da cidadania activa e governante, que o socialismo não pode deixar de ser, enquanto forma de emancipação e autonomia. O facto de uma mistificação monstruosa ter feito muitas vítimas, ter manipulado boas intenções, ter logrado impor a renúncia à reflexão e ao livre-exame aos "fiéis", não nos deve tornar condescendentes na nossa apreciação a seu respeito nem na nossa acção contra ela. Aqui, a questão de fundo é que a democracia e a extensão efectiva das liberdades são condições necessárias, prioritárias, prévias, do socialismo entendido como "emancipação dos trabalhadores como obra dos próprios trabalhadores" (e não tarefa das "vanguardas dirigentes" e portadoras da verdade da "consciência de classe"), ou como livre associação dos produtores (e não como gestão da economia e comando da força de trabalho por hierarcas estatais e partidários, irresponsáveis perante o conjunto da população).
Se estivermos de acordo nisto, estamos de acordo no essencial. Mas teremos de continuar a discutir como se defendem e como se comprometem estas ideias, o que devemos dizer e fazer tendo-as em conta, que tipo de plataforma nos deve reunir.
Com as minhas melhores saudações democráticas
msp
Eu penso que haverá aqui necessidade de introduzir uma distinção essencial para compreendermos melhor ambos os pontos de vista: quando se fala dos regimes comunistas, simbolicamente derrotados pela "Queda" do Muro de Berlim, está-se no fundo a falar de duas realidade distintas, a primeira sendo o modelo político desses regimes - Ditadura - e a segunda o seu modelo económico - estatização dos meios de produção.
Penso que a diferença entre ambos é pacífica e unanimemente reconhecida, estando até na base da especificidade do caso jugoslavo.
Ora parece-me que, quando Louçã fala numa derrota não-definitiva do ideal comunista com a Queda do Muro, estará apenas a referir-se a essa busca de um modelo económico alternativo ao do capitalismo actual, não propriamente ao modelo de regime político, relativamente ao qual não tenho dúvidas de que F. Louçã não ousa pretender "salvar dos escombros" históricos.
Atrevo-me a dizer, aproveitando uma das metáforas do seu Artigo, que se a Inquisição relevava da Igreja Católica, não procedia porém da mesma Religião!
Ou seja, que o Comunismo soviético é uma experiência definitivamente falhada, morta e enterrada na História do Século XX, mas não o ideal Socialista, ou mesmo Comunista (falo aqui num nível de significado meramente filosófico, não político), o qual continuaria assim a ser tão válido como outrora e à espera de melhor, ou pelo menos aceitável, forma de concretização no contexto do Presente histórico.
O que, sendo uma perspectiva filosófica que não partilho, em todo o caso permite entender melhor o pensamento de Francisco Louçã e, até, fazer-lhe justiça, pela coragem e frontalidade, face a outro tipo de atitudes mais na moda, porque bastante mais fáceis, mas contudo igualmente bastante mais falsas em termos intelectuais.
Pena nunca haver tempo para rever o que se escreve assim de improviso nestes fóruns...
António das Neves Castanho, Lisboa.
Tentarei responder agora à interpelação de António Neves Castanho, começando por lhe agradecer a maneira franca como me interpela.
O que permanece vivo e mais actual do que nunca, em meu entender, do "comunismo" e do "socialismo" é a luta por uma sociedade radicalmente democrática, em que os cidadãos organizados exercem o poder político no espaço público, mas não "estatal", das suas assembleias e através de mandatários ou magistrados, mas não "representantes", dessas assembleias e sob a sua dependência permanente;e em que, ao mesmo tempo, a gestão e organização da actividade económica é exercida pelos produtores (agentes económicos) associados em termos cooperativos e igualitários (o que significa que a força de trabalho deixa de ser uma mercadoria, e que é superada a separação entre os produtores e os meios de produção). Esta politização explícita da esfera económica, que é o traço distintivo "socialista" de um regime efectivamente democrático, torna insustentável a distinção de um aspecto político e de um aspecto económico independentes nos regimes do tipo da RDA, e faz com que seja um contra-senso, ou uma mistificação, dizer que tais regimes eram economicamente socialistas, mas não o eram politicamente, pois que para isso teriam de ser democráticos.
Por outro lado, é também necessário combater a ideia de que Estado e espaço ou domínio público são sinónimos. O poder público democrático é o da deliberação e da decisão dos cidadãos, que só o serão activa e plenamente na medida em que não se deixem governar a não ser mediante a sua própria participação explícita no governo da sociedade. É por isso que Marx acertou quando escreveu que a liberdade do Estado é inversamente proporcional à dos cidadãos (Crítica do Programa de Gotha). Ora, o Estado, que se apropriou da direcção da economia nos regimes do "socialismo real", confiscou, subordinou e reprimiu radicalmente as liberdades políticas e sociais no espaço público, e isso significa que ao estatizar a economia não a democratizou nem socializou - apenas se tornou beneficiário de um mecanismo de expropriação dos trabalhadores, sob muitos aspectos mais depótico do que as formas capitalistas clássicas.
Sendo assim, e, se como Você diz, FL pretendeu distinguir um lado "bom" (económico) e um lado "mau" (político) nos regimes do tipo RDA, a sua tese é ainda mais inaceitável do que eu a pintei. Por mim, limitei-me a apontar no seu artigo uma contradição lógica insolúvel e a sugerir que o seu discurso, ao mesmo tempo veemente e confuso, vindo de quem é um porta-voz sobejamente autorizado do BE, nos permite formular questões, que incluem FL mas o ultrapassam, sobre o tipo de plataforma política que o BE propõe e da sua credibilidade.
Declaração de interesses: votei no BE nas últimas eleições e apelei até ao voto no BE via 5dias, pedindo para esse efeito uma boleia ao Zé Neves ( http://5dias.net/2009/09/25/do-miguel-serras-pereira-e-acerca-das-proximas-eleicoes/ )
Saudações republicanas
msp
Muito obrigado pela excelente resposta, com a qual tendo a concordar.
Não quis ser "advogado de defesa" de Louçã (o que, para além de pretensioso, seria ridículo), apenas me atrevi a manifestar a minha interpretação do seu Artigo (que confesso, até li a correr).
Falando agora por mim próprio, parece-me justa e pertinente a sua crítica ao referido Artigo, mais até no tocante ao estilo do que ao conteúdo, que poderá eventualmente ter sido prejudicado por aquele.
Isto porque, se é um facto que o modelo económico comunista é indissociável do modelo político que o corporizou, não é menos verdade que, em certos aspectos, tanto substanciais como até simbólicos, o comunismo real conseguiu resolver, ou pelo menos mitigar, muitas das chagas sociais para as quais o Capitalismo não parece poder nunca, por mais milénios que exista, sequer atenuar. Falo de certos "direitos económicos e sociais", conquistas inequívocas do "socialismo real", tanto no Leste como em Cuba, mas ainda mais de um certo espírito de responsabilização colectiva pelo devir da sociedade, profundamente arreigado nos Povos que experimentaram as chamadas "democracias populares" e que me parece completamente arredado do espírito de competição desenfreada e desregulada do individualismo liberal.
Parece-me pois que, mais do que acentuar e continuar a enegrecer o carácter (indiscutivelmente) infecto da "água do banho" deitada fora com a queda do Muro de Berlim, haverá agora que averiguar se o "bé-bé" já estaria morto, ou se foi deitado fora ainda com muitos "órgãos vitais" aproveitáveis. Se é que isto é linguagem que possa ser, ainda que metaforicamente, utilizada numa discussão como esta (o meio condiciona inelutavelmente o conteúdo...).
Declaração de interesses (devida): nunca fui marxista; votei agora no Sócrates e apelei ao voto no P. S.; há dez anos que votava sempre no Bloco.
Saudações republicanas e democráticas.
Ant.º das Neves Castanho.
Caro António Neves Castanho,
sim, mas… Quer dizer, o desacordo nasce quando você fala de "um certo espírito de responsabilização colectiva pelo devir da sociedade, profundamente arreigado nos Povos que experimentaram as chamadas "democracias populares" e que me parece completamente arredado do espírito de competição desenfreada e desregulada do individualismo liberal". Se esse espírito de responsabilização colectiva era tão forte, como se explica, nomeadamente na Rússia, a presença de todos os sintomas de um hiperindividualismo feroz, só compensado pela densidade das redes mafioso-tribais que se sabe, e de uma anomia sem precedentes? Eu tendo a pensar que a usurpação do espaço público (formal e informal: das assembleias aos lugares colectivos de reunião informal, passando pelo mundo associativo) pelo Estado policial e os seus organismos de arregimentação (mais ou menos obrigatórios e intensivos consoante os períodos) induziram uma privatização maciça e uma maciça apatia ou desinvestimento cívico. Quanto aos serviços sociais outorgados pela burocracia - falar de direitos sociais é excessivo, quando pensamos na liberdade sindical, no direito de reunião e associação, na greve… -, foram em grande parte efeito da industrialização e dos aumentos de produtividade - e, claro, existiam para minorar o descontentamento e em vista de obter a submissão consensual das populações. Mas a discussão aqui seria longa e teriam de se ponderar as situações e evoluções concretas, país a país, etc. Basta-me dizer que esses serviços nada tinham em si próprios de especificamente democrático.
Finalmente, se me permite comentar a sua declaração de interesses, compreendo mal a sua opção de voto à luz do acordo que concede a algumas das minhas posições fundamentais. Com efeito, não concebo que a democracia possa dispensar-se de repolitizar a gestão da economia, de democratizar os rendimentos (desmercantilizando a força de trabalho) e o mercado (através de uma efectiva igualização dos rendimentos); como também não me parece que possa construir-se a não ser na medida em que expanda a "cidadania governante", promovendo a emergência do cidadão (não perfeito, nem infalível, mas) activo e responsável, capaz, como dizia já Aristóteles, de reunir à condição de governado (pelas leis da cidade) a de governante (co-autor explícito dessas leis e da sua transformação). Ora, não me parece que o PS e Sócrates estejam apostados em qualquer destas lutas, a não ser pela negativa.
Cordiais saudações republicanas e democráticas
msp
Obrigado por esta magnífica mini-mesa redonda que nos proporcionaram.
Acho extrememente interessante e potencialmente fecunda a ideia de "cidadania governante" avançada pelo MSP.
nelson anjos
Caro Miguel Serras Pereira,
a sua resposta é mais um desafio aliciante, a que vou tentar corresponder sucintamente e dentro dos (terríveis) condicionalismos de tempo que me sujeitam.
1 - Centro da questão.
Mais uma vez concordo consigo no essencial. Também não tenho uma resposta para um tão fragoroso colapso das sociedades "democratas populares", mas arriscar-me-ia a aventar duas pistas explicativas: a primeira, antropológica, é que o Homem reage de uma forma bastante condicionada pelo meio ambiente em que vive, também no domínio do social; ou seja, uma vez destruída, ou implodida, a sociedade "formatada" onde a segurança social, a saúde e a educação gratuitas e de qualidade desapareceram da noite para o dia, o "homo sovieticus" retrocedeu mimeticamente, em termos individuais e colectivos, a um estado de quase barbárie que, afinal, poderá ser o único que lhe permitirá continuar a sobreviver no novo mundo, totalmente desconhecido, da insegurança e da liberdade (e cujos instintos primários, aliás, não diferirão muito dos de qualquer californiano, bronxiano, ou louisiano...); a segunda, é que talvez as questões do bem-estar material, como as referi, sejam pelo menos inconscientemente muito menos importantes do que outras questões, de ordem espiritual: ou seja, o facto de se "viver materialmente bem" na sociedade soviética e afim não seria sufuciente para criar na Alma desses Povos um apego ao seu regime devido a uma grave carência afectiva, de ordem espiritual, que o mesmo provocava. Refiro-me não apenas (mas já é bastante) ao caso da liberdade religiosa, mas também à própria auto-estima e orgulho nacional, permanentemente exxovalhados pela propaganda e pela "praxis" dos Estados do Pacto de Varsóvia (lá está, muito menos sentida em Países como a Jugoslávia, ou Cuba, onde o orgulho étnico, cultural e nacional foi mais respeitado e até exaltado pelos respectivos regimes).
2 - "Declaração de interesses"
Acredito que uma sociedade melhor só se constrói por etapas. Muito resumidamente, sinto e penso que o rumo imprimido a Portugal pelo Governo de José Sócrates vai na direcção que me parece certa (mesmo que o próprio não o quisesse, ou não o soubesse!), para subir, irreversivelmente, os degraus todos e pela ordem correcta, do que os "repelões" propostos pela extrema-esquerda (BE, ou mesmo o agónico PCP), e seguramente muitíssimo mais do que a trágica opção "um passo atrás" (para dois mais atrás ainda?...) consubstanciada por um regresso DESTA DIREITA QUE TEMOS à área do Poder Executivo (que dos outros continua bem implantada...).
Um abraço,
Ant.º das Neves Castanho.
PS: Cometo alguma inconfidência se enviar o "link" do seu Blogue para o meu velho amigo G. S. P.?
Respondo quanto ao envio do link do blogue, caro António A. Caetano - é uma prazer!
Respondo eu, embrora o Miguel esteja aqui «em casa», pela nossa velha amizade e não só - esperando eu que volte muitas vezes.
Caro António Neves Castanho,
enfim, a leitura "antropológica" é interessante, mas pergunto-me se não seria pertinente aplicá-la aos anos anteriores à mudança de regime - à URSS "normalizada" de Brejnev em diante. Quando lemos os romances de Zinoviev, o tipo de questão que você põe é quase irresistível. Mas temos de ser cautelosos. Porque, apesar da liberdade religiosa (e até dos anseios cesaro-papistas que emergem por aqui e ali), não é líquido para mim que haja valores comuns, "identificatórios", sólidos nas sociedades ocidentais: em todo o caso, toda a sua dinâmica dominante recente ameaça instaurar como valor prioritário o sucesso na escala hierárquica dos rendimentos e da organização, bem como na do "comando dos outros seres humanos". A miríade de valores "identitários" particulares e concorrentes que pulula inscreve-se de resto no quadro da vitória do hiperindividualismo económico ambiente. É por isso - abrevio muito - que me parece de resto tão importante interpelar o que resta de investimento nas liberdades democráticas, no sentido de as tornar efectivamente praticadas e aprofundadas, em vista a uma outra relação com as instituições e a uma cidadania activa.
A nossa divergência não vem das "etapas", da necessidade de contarmos com o tempo e de termos a lucidez de saber que uma coisa como a "cidadania governante" só pode ser instituída mediante a acção deliberada e responsável da imensa maioria dos homens e das mulheres que somos. Vem de que não compreendo de todo em todo como é que você vê primícias ou premissas, ainda que mínimas, de um programa de autonomia democrática nas políticas dos últimos governos socialistas, que, entre os seus traços distintivos, têm exibido consistentemente uma concepção da política como actividade profissional, "tecnocrática", "axiologicamente neutra", assente numa divisão do trabalho político cúmplice da dominação reforçada das oligarquias e do crescimento das desigualdades que têm marcado a história das últimas décadas.
Cordialmente
msp
Pois, caro Miguel, talvez a nossa diferença seja de perspectiva política, isto é, do ponto em que observamos. Como sabe, nunca professei o marxismo, daí que as minhas ambições políticas e sociais tenham um cunho ideológico menos focado, diria talvez mais modesto, ou até mais "tranquilo".
Quanto às questões que aqui referimos como "antropológicas", e embora concordando consigo que a possibilidade de aprofundar abordagens espiritualmente mais enriquecedoras nas Sociedades ocidentais não está a ser adequadamente aproveitada, antes se caindo nessa tal anomia e na pura alienação, hedonista, consumista, etc., parece-me que tudo isso pode ser visto como meras manifestações superficiais do cariz societário ocidental e não necessariamente como a sua idiossincrasia mais significativa.
Por outras palavras, parece-me a mim que as sociedades tidas como "livres" do Ocidente, sobretudo as anglo-saxónicas (que dão actualmente o mote e geram os paradigmas e os exemplos), podem dar-se a esse luxo de aparentemente se atomizarem e desagregarem, ou de se "perderem" (introduzindo aqui uma perspectiva de cariz moral), precisamente porque têm como garantidos os fundamentos de coesão e de valores, ainda que de uma forma subliminar ou apenas pressentida (mas nem por isso menos REAL), que lhes libertam o espírito e criam a disponibilidade para se aventurarem, com um mínimo de segurança, em "comportamentos de risco".
Que obviamente são menores, ou pelo menos mais fáceis de calcular, em Países já muito imbuídos dessa cultura de liberdade e responsabilidade, do que naqueles que ainda há bem pouco tempo saíram de regimes totalitários e muito paternalistas, como sejam os Países ditos de Leste, mas onde incluo, igualmente Portugal.
Quase diria que o mesmo se passa connosco individualmente: enquanto jovens, podemos exagerar certos comportamentos e tolerar-nos excessos que, uma vez idosos, consideramos loucos e não aconselhamos (ou não permitimos...) a quem esteja sob a nossa esfera de influência ou de poder. Pois que a Saúde só se torna uma preocupação ou obsessão para quem a não possui, também a Liberdade só inspira e mobiliza os Povos enquanto dela não disfrutam.
Ponham-se os americanos, os alemães, os espanhóis ou os portugueses de novo na iminência ou na contingência de um novo período trágico das suas vidas, perante uma ameaça de catástrofe ecológica, de guerra (nem que seja civil), ou de regimes autoritários, que rapidamente canalizaremos para outros fins as energias que agora dedicamos aos futebóis, às lipo-aspirações, aos carros transformados, ou aos hipermercados. Estou eu em crer...
Já quanto às minhas convicções políticas, e também concordando que o PS de Sócrates não é propriamente um modelo em termos de ideais, de princípios ou até de ambição cívica, a minha análise parte de pressupostos distintos: para além de todas as questões comparativas (o valor relativo de Sócrates face às alternativas concretas), valorizo em especial a consciência de que não é aos Governos que cabe transformar a Sociedade, mas sim a si própria, desde que o Poder crie as condições de liberdade e segurança que lhe permitam amadurecer ao seu ritmo próprio.
Tudo isto é muito difícil de teorizar neste tipo de conversas, de tão condicionadas que elas são em muitos aspectos (sendo o tempo o mais impiedoso), mas resumiria este meu ponto de vista recorrendo a uma metáfora: o Governo (melhor, o Poder político) é como um motorista de uma excursão: exige-se-lhe apenas que saiba conduzir competentemente e em segurança, no cumprimento da vontade dos passageiros. Não tem que os doutrinar nas regras do Código da Estrada, ou nos meandros da mecânica automóvel, que é suposto dominar. Pede-se-lhe apenas que não interfira no livre gozo da viagem, nem prejudique, com solavancos, impropérios ou quebra das regras de conduta, aquilo que os passageiros entendam decidir, no seu interesse comum e no uso dos seus direitos expressos e reconhecidos pela Lei (e, obrigatoriamente, também por qualquer motorista).
António das Neves Castanho.
Caro António,
teremos decerto outras ocasiões de discutir as questões que acabámos por tocar nas últimas trocas de comentários. Até lá e muito brevemente:
1. o desinvestimento da política, e/ou a sua conversão em reivindicações crispadas de direitos "identitários" e particulares, discriminações positivas, estatutos à parte, etc.; a religiosidade difusa e à la carte entremeada aqui e ali pela efervescência de seitas fanáticas e ao mesmo tempo as ambições por parte de boa parte da hierarquia da Igreja Católica e por parte de grandes correntes "evangelistas" organizadas em vista de limitarem a legitimidade e o primado do livre-exame nas questões sociais e políticas; o "pacifismo zoológico" (como lhe chamava Castoriadis) e o utilitarismo (de vistas curtas) na esfera das relações internacionais; o crescimento das desigualdades e a ostentação dos "vencedores"; etc., etc. - não sei se a tudo isto poderemos chamar fenómenos de superfíce, ou se não será antes uma espuma tóxica, resultante da degradação dos usos e costumes quotidianos, e agravando essa degradação. A minha insistência em que a saída passa pela reanimação da política democrática não significa que eu creia que haja soluções políticas antecipadas; significa que na acção política somos levados a reconhecer-nos como co-autores e agentes decisivos - pelo menos por consentimento e omissão - do mundo em que vivemos, das suas opressões e potencialidades.
2. Sim, numa sociedade democrática digna desse nome boa parte da actividade ministerial seria execução de decisões políticas dos cidadãos e sob a sujpervisão destes. Não seria o "executivo", em todo o caso, o núcleo da acção da sociedade sobre si própria. Mas então o auto-governo dos cidadãos organizados não deixaria de governar e de constituir um aspecto fundamental da auto-instituição da sociedade. Temos de escolher entre a política como a mais arquitectónica das artes envolvendo aqueles a quem diz respeito e tornando-nos universalmente cidadãos livres e responsáveis, e formas de poder político cuja legitimidade se reclama de uma ordem religiosa, natural ou científica "superior" e que nos reduz a todos à condição ancilar de instrumentos. Tanto as arquitectónicas do primeiro tipo como as do segundo são políticas e pressupõem um poder político em acção. Mas só a natureza do poder político pressuposto e estipulado pela primeira arquitectónica faz da autonomia individual e da auto-organização colectiva não um obstáculo, mas uma condição, e garante a cada um de nós aquilo a que podemos chamar com o poeta um "rosto criador voltado para o dia".
Cordialmente
msp
necessita di verificare:)
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