9.6.10

Das tubas, clamor sem fim


Eu detesto comemorações solenes, quase temo não evitar as do 10 de Junho, que são já amanhã, e fujo quando abro o portal oficial da Comissão do Centenário da República.

Mas desde ontem já passei nem sei quanto tempo a discutir - oralmente, por e-mail e no Facebook -, a terrível ameaça que poderá constituir para a defesa da nossa memória histórica o facto de, esta tarde, umas dezenas de crianças de uma escola da Barroca desfilarem com fardas da antiga Mocidade Portuguesa, numa encenação relacionada com a vida em Portugal nos últimos 100 anos.

Mas será que não se pode representar fases «desagradáveis» da História, sem que sejam interpretadas como laudatórias? Há que apagá-las da fotografia à boa maneira soviética? Há algum perigo de fascização daquelas crianças? De quererem passar a vestir-se assim todos os dias, renunciando aos sapatos All Star ou às mochilas da Hello Kitty? E os habitantes de Aveiro vão a correr fundar um partido nazi clandestino, influenciados pelo espectáculo a que assistiram?

Parece-me haver em todo este alarido uma grande vaga de sensacionalismo e de oportunismo bacoco, muito curiosamente alimentado, em grande parte, por quem nunca se mostrou especialmente ocupado, ou preocupado, com vários atentados recentes à preservação da tal memória da nossa história recente.

(Importante ler e também e SOBRETUDO.)

P.S. - Publiquei este post à 1:14 e coloquei-o no Facebook. São 3:00am neste momento, a discussão ainda dura e já lá estão 45 comentários. A blogosfera é bem mais calma e deita-se cedo... Quem tiver acesso, pode ver aqui os comentários no Facebook.
Às 22:45: 83 comentários.
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23 comments:

lili disse...

Poder pode, mas que se ganha a representar isto? e desta maneira, e é porquê?

lili disse...

O que diria de uma representação da juventude hitleriana para comemorar algo parecido na Alemanha?

A Joana deve lembrar-se, embora isto lhe pareça que não vem nada a propósito, que Salazar foi oi único Chefe de Estado, na altura a fazer luto de 3 dias por Hitler.

Joana Lopes disse...

Podia responder-lhe com outras perguntas: o que é que se perde? porque não? sabe-se lá se não provoca repulsa útil em quem vive ou revive aquela realidade?

Joana Lopes disse...

Mas aqui não há nenhuma COMEMORAÇÃO feita por skinheads!!!! Há uma representação, organizada por um conjunto de escolas.

ruialme disse...

Cá para mim, a indignação tem a ver com a imagem q a Joana aqui pôs: os contestatários devem ter pensado q vão pôr as criancinhas a tocar vuvuzela...

(peço desculpa, mas acho q estou mesmo maluquinho por causa da famosa gaita - até quando vou aos correios fico com a ideia de ver um homem nu a cavalo a tocar vuvuzela)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Pensar em democracia que esconder símbolos anti-democráticos é eficaz para erradicar ideais anti-democráticos tem tanta lucidez como pensar durante o fascismo que esconder símbolos democráticos era eficaz para erradicar ideais democráticos.
O fascismo teve esta estupidez, era a censura, e a democracia também a pode ter, continua a ser censura. Mas não ganha nada com isso, nem lhe fica bem.
Isto vem na linha do que tenho dito, que nem devia haver limitações à existência em Portugal de organizações políticas e mesmo partidos de ideologia fascista.
De quando em quando fariam certamente passagens de modelos como estas, não para representar, mas para comemorar, e algumas pessoas gostariam de ver, outras detestariam, e outras ficariam indiferentes.
Mas ter partidos de ideologia fascista em Portugal traria a enorme vantagem de sabermos exactamente o que eles pesam, porque teriam de se bater em eleições em vez de se verem insuflados por serem vítimas de censura e proibição, e de não saber ao certo se isso é grave ou não, porque são clandestinos...

Unknown disse...

Os Jacobinos (como a Joana Sabe)definiram na Revolução Francesa uma forma radical de intolerância e terror. Nesta pequena Aldeia global, o fascismo de Salazar perdeu quando começou a ser intolerante. O mesmo se passa agora com os "caça fantasmas" do passado. Recriar o passado é uma forma dinâmica de entendermos o presente e não perdermos o futuro. Esta forma saloia de comemorar a "bufa" não deixa de se enquadrar na maneira de ser portuguezinha...

Ana Paula Fitas disse...

Olá Joana :)
Obrigado pelo comentário que deixou no A Nossa Candeia, através do qual fui em busca de notícias e acedi ao Jornal. Não retirei o post mas enquadrei o texto com as devidas explicações e alterei o título.
Gostaria muito que fosse até lá e lesse.
Um grande abraço.

Joana Lopes disse...

Muito obrigada eu,Ana Paula, eu sabia que lhe faltaria informação.

Helena Araújo disse...

Joana,
parece que andámos outra vez a ferver na pouca água da pouca informação.
Quando ouvi falar pela primeira vez disso, imaginei que iriam fazer um remake à portuguesa de "a onda" (provavelmente conhece: o livro que relata romanceando uma experiência feita numa escola sobre a facilidade com que se escorrega para o totalitarismo).

Afinal, é com miúdos de infantário, para os fazer "viver" a história portuguesa recente. Duvido que algum ganhe um gosto especial às marchas sem sair da formatura, e que daí advenha perigo para a democracia.
Mas seria talvez interessante se incluíssem algum episódio de falta de liberdade de expressão: haver entre os miúdos alguns polícias políticos que levassem preso quem dissesse "abaixo o Salazar!"
(isto sou eu a delirar como de costume)

No fim de tudo, fica o ridículo deste episódio: de como desatamos a ter opinião antes de ter informação.

ruialme disse...

Helena,
Do link q a Joana colocou mais em destaque:
«"Depois iremos ter a época do Estado Novo, com várias apresentações e características do Estado Novo, entre as quais a emigração, a guerra colonial, a escola tal como era naquela época e a Mocidade Portuguesa", referiu a professora.
Nesse quadro "há meninos que estarão a fazer lembrar a Mocidade Portuguesa, tal como estarão crianças a fazer lembrar os emigrantes", assinalou.»
De facto, não é referida explicitamente a repressão mas, tanto quanto me parece, pode ficar um quadro bem representado, para crianças do 1º ciclo.

Mas tudo isto é muito diferente do susto q eu apanhei quando li em jornais e blogues sérios (como o Arrastão, pelos seus vários autores), q me fizeram crer q iam estar 1200 crianças, obrigadas, a desfilar com a farda da Mocidade.

Ana Cristina Leonardo disse...

joana, em primeiro deixe-me ser clara: desfiles de crianças (mais de mil, caraças!!!) a cantarem o zeca afonso, vestidas de mocidade portuguesa, pioneiros ou apenas de bibe causam-me urticária.
Em segundo lugar, vir falar de contextualização, crítica ou interpretação quando estamos a referirmo-nos a crianças de infantários e primárias é uma patetice completa.
Resumindo: ou é um desfile de má fé ou é um desfile de pedagogos tontos. Entre uma coisa e outra, venha o diabo e escolha.
Ah! e claro que a maioria das crianças provavelmente se diverte. E então?

Joana Lopes disse...

Ana Cristina,
estou de saída, mas: leu o meu link do SOBRETUDO. Quais 1000 crianças???? Não existe só o Público!!!

Joana Lopes disse...

Ana Cristina,
Terá entretanto lido que as crianças com fardas parecidas com as da MP foram... 50 e que o programa foi bem mais vasto.

Joana Lopes disse...

Rui,
O Arrastão e outros (muitos) blogues e sites de esquerda, incluindo o esquerda.net, não se lembraram que há uma coisa chamada Google que, desde há uns dias, permitia encontrar notícias mais completas do que o artigo sensacionalista do Público.

Ana Cristina Leonardo disse...

joana, mal li a notícia no público, achei-a mal feita. Falava-se em 1200 crianças e falava-se de mocidade portuguesa. Quem lesse distraidamente acharia que eram 1200 miúdos fardados de MP. Como achei a coisa estranha, fiz na altura um post em que que chamava à notícia ambígua, perguntando pelos 3 pastorinhos. Logo me esclareceram que seriam cerca de 50, cito de cor, as crianças de MP. Posto isto, nada acrescenta ou retira ao que eu disse. A ideia de fazer um desfile de mil e tal crianças vestidas seja do que for, a cantar seja o que for, a propósito dos 100 anos da República, da Monarquia, do Santo António ou da Maria Pia causa-me urticária. Desfiles são coisas de adultos. Desfiles de crianças são coisas de ditaduras (deve haver muitos na coreia do norte) ou de pedagogos tontos.

Rogério G.V. Pereira disse...

A imprensa, em geral tem agendas diabólicas. O texto do “Público” tinha uma certa ambiguidade. Isto, associado a reais e fundamentados temores de que estaremos no limiar de algo de muito mau, fez o resto. Caiu-lhe(s) o “Carmo e a Trindade” em cima. Pessoalmente, achei interessante regressar ao passado, dar relevo mimético e caricatural a determinadas situações que caracterizaram os diferentes períodos da república. Ensinar história dessa maneira, pode conter riscos, mas é um método eficaz. Recordo eu, nos meus 12/13 anos, ter na aula de Português, entrado numa peça de teatro. Coube-me o papel de Miguel de Vasconcelos. Nem por isso, a turma passou a gostar dessa figura e, sobretudo, ficou a saber e a perceber o que estava em jogo na Revolução de 1640. Mais, parte deles (onde me incluo) passaram a ter amor pela História.
Pode ver detalhes aqui: http://conversavinagrada.blogspot.com/2010/04/escolas-da-minha-vida-escola.html
Lá, verá que eu vesti aquela farda e fiz aquela continência. Essa experiência, também a recordo.

Veja se consegue que esses miúdos sintam o que eu senti…

Bom trabalho nessa missão de não branquear o passado

(passei a segui-la)

Joana Lopes disse...

Muito obrigada, Rogério Pereira, por partilhar a sua experiência.

Ana Cristina Leonardo disse...

Rogério, eu também fiz teatro na escola. Teatro na escola não é um desfile pelas ruas da cidade, onde todos serão figurantes e quase nenhuns, ou nenhum, personagens.

Anónimo disse...

Hilariante... tão perigoso como restaurar o Museu da Arte Popular, obra do Estado Novo. Concordo consigo: é só sensacionalismo e resistência bacoca. Porque não censurar tb todos os documentários sobre a época no canal História, livros do tempo do Estado Novo,, retira-los dos alfarrabistas...prender os alfarrabistas e queimar todos esses livros numa pira? ; )

Mario Braga

ruialme disse...

Parece-me q a crónica de hoje de Manuel António Pina é esclarecedora.
http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Manuel%20Ant%F3nio%20Pina

Joana Lopes disse...

Sim, Rui, li e estive para pôr aqui, mas considero assunto encerrado. A não ser que...

Manuel Vilarinho Pires disse...

Passado este episódio, o mais de preocupante que dele para mim fica é verificar que na blogoesfera, no Facebook e, provavelmente, nas redes sociais de uma maneira geral, se denota uma certa tolerância (será nostalgia?) com o controlo do que se diz, de como se diz, de se tem vantagem dizê-lo, se é perigoso deixar dizê-lo, em que contextos deve ser permitido dizê-lo...
Com a censura.

A liberdade de expressão da opinião de cada um de nós é-nos muito cara. Democrático, é ser tolerante com a liberdade de expressão dos que estão em desacordo com ela. Isto pode ser dito às crianças de um jardim de infância, mas infelizmente suponho que não está interiorizado por toda a gente...