Como é sabido, o Parlamento europeu atribuiu este ano o Prémio Sakharov ao opositor cubano Guillermo Fariñas, protagonista de uma recente e longuíssima greve de fome em luta pela libertação de presos políticos no seu país – greve pelo menos parcialmente «vencedora», diga-se de passagem.
É a terceira vez, em oito anos, que o prémio é atribuído a resistentes cubanos e terão sido os agrupamentos à direita que ganharam a votação, quando outros teriam preferido a etíope Birtukan Mideska ou a ONG israelita «Breaking the Silence». Absolutamente legítima a reivindicação de uma distribuição mais universal, mas parece-me que o impacto recente dos actos de Fariñas justifica amplamente a atribuição do prémio. E esperemos para ver se o governo cubano vai permitir que Fariñas se desloque a Estrasburgo para o receber (?!...) ou iremos a assistir a uma nova greve de fome, já anunciada.
Mas uma coisa é perder uma votação e outra é condenar o seu resultado. Neste contexto, não entendi os argumentos de Miguel Portas que, ainda segundo o Público, lamentou a decisão e referiu a este propósito, o «reacender de guerras frias acabadas» de «um tempo que já passou». E registei, com perplexidade mas satisfação, que ele retirou entretanto do seu Facebook estas afirmações, e outras no mesmo sentido, que lá tinha publicado…
Eis senão quando esbarro com uma intervenção de Luís Fazenda na AR, em que este retoma e amplifica o assunto, com a veemência que o caracteriza (alguém o interpelou? havia necessidade?):
Regressa ao tema «guerra fria», levantado por Miguel Portas, como se quem é contra a falta de liberdade de expressão em Cuba estivesse automaticamente ao serviço dos EUA (mas onde é que eu já ouvi isto?...), e insurge-se contra a utilização do prémio «para que sejam atingidos determinados fins», numa «insistência que não pode deixar de ter uma leitura política».
Convém talvez lembrar que se trata de um prémio que é definido como «meio para homenagear pessoas ou organizações que dedicaram as suas vidas ou acções à defesa dos direitos humanos e à liberdade». Havia certamente dezenas de candidatos possíveis, mas não cabe Fariñas nesta definição? Ou não haverá ainda um T-shirt do Che escondida debaixo de muitas camisas do Bloco?
P.S. – Por informações entretanto recebidas, fiquei a saber que apenas o PCP e o PEV votaram contra o «voto de saudação» apresentado ontem na AR pelo CDS, pelo que presumo que esta intervenção de Luís Fazenda seja uma declaração de voto do Bloco: a favor mas com estas reservas. Fica explicada a existência da intervenção, mas em nada se altera a minha opinião sobre o conteúdo da mesma.
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7 comments:
Num registo hipócrita, aquele que permite a ironia face a um escroque defensor dos maiores desmandos e crimes como o é esse esbirro Fazenda (um UDP), um tipo até pode sorrir ao ver um político protestar com um prémio político dado a agentes políticos por este (prémio) servir "para que sejam atingidos determinados fins», numa «insistência que não pode deixar de ter uma leitura política". Não é esse o objectivo, por inerência?
Num registo não hipócrita um tipo só se pode perguntar é como em 2010 pode haver gente a respeitar, a acamaradar e até votar nesta gente? Portas, um comunista estalinista até depois da queda do muro, transposto para uma light left, este Fazenda, rústico? Como se consegue olhar o espelho e gostar desta gente assassina, Joana Lopes?
Nunca mataram ninguém? Mas não passaram toda a vida (como agora, apesar da vileza de Portas em esconder a posteriori o que lhe vai na alma) a defender os assassinos? Que repugnância!
De acordo quanto ao objectivo político do prémio, por inerência, obviamente.
Quanto ao segundo parágrafo, jpt: «assassinos» parece-me expressão demasiado forte para o que está em causa. Depois, eu não gosto nem deixo de gostar «desta gente» - nem os conheço pessoalmente. Estou farta de dizer que voto Bloco por exclusão de partes: sou visceralmente anti-abstencionista.
Gente assassina passa apenas por figura de estilo quando se fala de neo-nazis. Quando se fala de apoiantes das ditaduras comunistas até ao tutano, como este Luis Fazenda, como Portas saído do PCP só nos inícios de 1990s e já bem crescido, etc e tal, há um enorme prurido em considerá-los apoiantes dos totalitarismos sanguinários.
A retórica (não a de Fazendo, que é abstruso) pode ser libertária, festiva. As biografias são execráveis. Confesso que não consigo compreender - consigo compreender na juventude, é um modismo identitário. Nas gerações maduras é ou adesão ideológica ou um total distraccionismo. Dito, noutras literaturas, alienação. Ou por outras, ou é imoralidade (na maioria dos casos é-o) ou amoralidade (nos distraídos caso é-o)
O "esta gente" não remete para uma relação pessoal, como é óbvio. Eu não conheço Sócrates e não gosto dele, nem da sua gente. E não vejo nenhuma contradição nisso
Reproduzo aqui comentario deixado no delito de opiniao e no vias de facto e que creio vir a proposito
"Independentemente da posiçao que cada um tome sobre a natureza do processo revolucionario cubano (como deverá saber, eu sou um seu vivo defensor) nao creio que possa ser escamoteada a realidade evidente deste premio ser utilizado de forma instrumental pela direita europeia (3 premios em 10 anos parece um pouco excessivo, nao acha?).
Discordando da sua tese da ditadura castrista, assumo-a como hipotese para discussao, que em Cuba nao há democracia (reitero que nao é essa a minha convicçao). Sendo assim, vejamos:
1) quantos jornalistas foram presos ou assassinados no ultimo ano em Cuba?
2) quantos sindicalistas, activistas de direitos humanos e/ou politicos foram perseguidos ou sofrido castigos piores?
3) quantas organizaçoes politicas ou culturais foram encerradas?
4) que percentagem da populaçao civil foi obrigada a viver sob condiçao de extrema pobreza ou indigencia?
a estas perguntas, poderia juntar algumas mais, mas é curioso que no ano em que os paises ocidentais inventam mil e uma desculpas para justificarem um "inevitavel" falhanço em atingir os 8 objectivos do milenio, Cuba tenha conseguido atingi-los a todos com 5 anos de antecedencia (até foi elogiada pelo sec. geral das NU- e consta que ele nao é propriamente um marxista ferrenho...)
Que no ano passado, Cuba tenha assinado varios tratados sobre liberdades politicas e tenha convidado o relator sobre tortura e tratos humilhante a visitar os presidios cubanos, bem e poderia continuar com uma serie de conquistas reconhecidas internacionalmente e confrontá-las, por ex, com 4000 denuncias de tortura em 5 anos (2004-2009) na nossa vizinha Espanha constantes do relatorio global da Amnistia Internacional, com as recentes noticias sobre tortura com conhecimento dos EUA no Iraque e Afeganistao, assim como os, creio que, 650 civis mortos em pontos de controle por soldados norte-americanos, entre os quais 30 crianças...
Podia continuar durante bastante tempo, mas creio que a questao central nao é saber nem se Cuba é uma ditadura ou uma democracia, nem coleccionar e comparar atrocidades de todos os países (e muitos praticados pelas democracias liberais!), a questao é saber se o premio sakharov (diga-se de passagem, um resquicio anacronico da guerra fria) é fruto de instrumentalizaçao ou nao. E nesse ponto, pessoalmente nao tenho duvidas."
Acrescento algo que me lembrei entretanto, nao me parece, de todo, mesmo que quem ache, como a Joana que Cuba é uma feroz ditadura, que esta votaçao seja minimamente honesta. Presta-se unica e exclusivamente a condicionar os esforços de Espanha para o levantamento da posiçao comum da UE relativamente a Cuba, capitulando assim esta Europa às pressoes nao só dos grupos de Miami (nao, nao sou nenhum fanatico que acha que tudo é culpa da extrema direita anti-castrista) mas de uma direita que, por rancor historico ou por medo próprio do que é a defesa do seu modelo de sociedade, se vê ameaçada pelo que é o progresso da economia e dos modelos politicos na america latina.
Numa conjuntura em que a Europa parece recorrer às receitas do FMI dos anos 80 na America Latina, ter uma série de paises (com as naturais diferenças) que fizeram frente às suas politicas regressivas e que vêm o seu crescimento economico aumentar exponencialmente (ver o ultimo relatorio do FMI, por ironico que seja), assumindo modelos de desenvolvimento diferentes com uma particular inspiraçao no processo cubano, é particularmente perigoso. Nao tenho duvidas que estes premios, o bloqueio, a posiçao comum sao tudo faces da mesma moeda e, embora nao o afirme de forma peremptoria, inspiradas nao tanto pelo repudio, mas muito mais pelo medo...
Não, Rafael, a questão NÃO é saber se o prémio Sakharov «é fruto de instrumentalização ou não», mas SIM se Fariñas era elegível para o mesmo, definido como «meio para homenagear pessoas ou organizações que dedicaram as suas vidas ou acções à defesa dos direitos humanos e à liberdade». Para mim era, sem qualquer espécie de dúvida – entre outros possíveis, obviamente.
A recusa em o reconhecer, de sua parte e de outros, é que é fruto de «instrumentalização» ao serviço de uma ideologia que vos impede de aceitar que há falta de respeito por direitos humanos em Cuba – neste caso, a existência de presos políticos, por delito de opinião.
respeito a sua opiniao, mas discordo, e parece que neste ponto nao há acordo possivel...
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