10.9.12

À procura de um Projecto Coerente para o Serviço Público de Televisão em Portugal




Este longo texto data de Fevereiro de 2002 e foi-me enviado pela Diana Andringa. Divulgo-o porque, como a Diana me recorda com toda a razão, «parte das coisas que se dizem hoje já eram propostas, muito seriamente, há 10 anos» e «se alguém tivesse ligado, a RTP era hoje outra coisa».


A RTP foi, ao longo dos anos passados desde o 25 de Abril, aquilo que os vários poderes políticos que se sucederam no Governo entenderam que ela fosse em cada momento, nomeadamente na área da Informação, servindo o resto da programação de papel de embrulho, mais ou menos atraente consoante o dinheiro disponível e o talento dos Directores.

Poucas administrações da RTP (e os poderes que as nomearam) se preocuparam em pensar e levar à prática um projecto credível de Serviço Público de Televisão. 

Curiosamente – ou não – as excepções surgiram em alturas em que o poder político era pouco estável. Também curiosamente – ou não – quando se instalou no país a estabilidade governativa, instalou-se na RTP uma prática de afastamento do que deveria ser o seu papel de Serviço Público de Televisão, serviço esse com dignidade constitucional, no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias.

Assistiu-se então à substituição da criatividade pela gestão, da opinião dos profissionais pela de empresas de consultoria que, muitas vezes, não tinham tido qualquer experiência anterior na área da Comunicação Social. O marketing impôs-se aos critérios de qualidade, tornando mais fácil que, desfigurado o Serviço Público de Televisão, num só ano se lhe retirasse o financiamento pela taxa e se permitisse a abertura do mercado a 2 canais privados – contra as vozes de todos os que alertavam que, em Portugal,  o mercado não era suficiente para garantir a viabilidade de 4 canais nacionais.

Como se isso não bastasse, seguiu-se a alienação da rede de distribuição e a obrigação, para a RTP, de pagar aquilo que antes era seu – e a tentação cada vez maior de aos critérios de qualidade substituir os de audiência e conquista de publicidade, afastando-se cada vez mais do figurino de Serviço Público de Televisão.

Mas o que é, afinal, o Serviço Público de Televisão? Como todo o Serviço Público, é aquele que, sendo necessário, exige um investimento do Estado porque, na lógica de mercado, não poderá ser prestado com as mesmas características de natureza, eficiência e qualidade pela iniciativa privada. E qual é então o papel do Serviço Público de Televisão?  Fornecer uma informação e uma programação que,  seguindo critérios de qualidade, diversidade e pluralismo,  promova a defesa do imaginário nacional, da  cultura, língua e soberania e contribua para o desenvolvimento do País. Ou seja: o contrário de uma televisão que “pensa a informação como propaganda e o entretenimento como algo de residual”, na feliz síntese de Manuel Maria Carrilho, aquilo que foi, afinal, durante anos, a concepção dos Governos em relação à RTP.

E que importância tem, para os cidadãos e para o país, o Serviço Público de Televisão? Uma importância absolutamente decisiva, tendo em conta que os portugueses vêem televisão mais de três horas por dia e ela contribui assim, mais do que a família, mais do que a escola, para a formação geral dos indivíduos, para a formação do imaginário colectivo e deve servir a criação da coesão nacional,  o desenvolvimento da comunidade, a definição da identidade nacional e a política de qualificação.

Como pode pôr-se em prática um projecto assim?

Na actual situação de descrédito a que chegou a RTP, apenas com uma clara ruptura com o passado, com o arcaísmo político que levou os diversos partidos a não a estimarem se não como instrumento de propaganda, ou com a falsa modernidade que levou a querer submeter o serviço público às regras do mercado.

Uma ruptura que, em nosso entender, deve apontar no sentido da criação de uma coesão nacional em torno do Serviço Público de Televisão, passando a nomeação do Presidente do Conselho de Administração a ser feita em sede parlamentar, por maioria qualificada, o Financiamento do Serviço Público inscrito no Orçamento de Estado e o Orçamento e Plano de Actividades acompanhados por sub-comissão especializada da Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.

Essa ruptura deve ser também feita:



1 – Em termos de programação: o Serviço Público de Televisão deve dar à população possibilidade de aceder a programas que, pelo seu preço e/ou a sua reduzida audiência não cabem nas grelhas dos canais privados; deve fomentar a criação, a divulgação da cultura, incluindo a cultura científica, o debate de ideias, o espírito de cidadania;

2 – Em termos de ética: o Serviço Público de Televisão deve guiar-se por um “Código de Ética” e um “Estatuto Editorial” claros e capazes de resistir quer às investidas das privadas quer à rotação de responsáveis, e a lógica de escolha dos seus quadros deve ser apenas a da sua qualidade profissional;

3 – Em termos salariais: mesmo em tempo de lógica de mercado, não faz sentido que profissionais e convidados do Serviço Público de Televisão possam receber salários superiores ao do Presidente da República;

4 –  Em termos de recrutamento e formação de quadros: a RTP que, durante anos, formou os quadros que foram  criar as televisões privadas, não deve ficar agora reduzida a ir disputar os profissionais dessas estações, mas continuar a preparar quadros com a qualidade e a ética próprias do Serviço Público;

5 – Em termos de língua portuguesa: dada a influência da televisão na formação dos indivíduos, deve o Serviço Público de Televisão garantir que todos os seus profissionais que se dirigem ao público tenham um correcto domínio da língua portuguesa e ajudar assim a manter padrões linguísticos elevados;

6 – Em termos de gestão: os membros do Conselho de Administração não podem continuar a ser escolhidos apenas por critérios partidários ou de gestão, mas pela sua qualidade e rigor intelectual e cívico e o seu conhecimento da área do audiovisual.


Nós acreditamos no Serviço Público de Televisão.

Acreditamos também que é possível reestruturar a RTP, assim o queiram Governo e Assembleia da República, assim se oiçam e respeitem os seus profissionais, assim se mude a lógica de escolha das suas administrações.

Apelamos, pois, ao fim do anúncio pelos diversos dirigentes partidários de medidas avulsas e, por vezes, contraditórias, ao sabor de interesses eleitoralistas, à consciencialização de que este é um problema nacional e como tal deve ser encarado, e a um debate político alargado sobre o Serviço Público de Televisão.


Lisboa, Fevereiro de 2002


ASSINATURAS:

ABEL MACEDO 
ACÁCIO BARRADAS  
ALFREDO CALDEIRA
ALFREDO MAIA
ALFREDO TROPA
AMÉLIA MUGE 
ANA MARIA AUGUSTO
ANA MARIA FERREIRA (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
ANABELA MOUTINHO
ANABELA SOUSA LOPES
ÂNGELA GUIMARÃES
ANTÓNIO CARLOS CARVALHO
ANTÓNIO DA CUNHA TELES (que assina por estar de acordo com o essencial, mas tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
ANTÓNIO FERNANDO CASCAIS
ANTÓNIO-PEDRO  VASCONCELOS
ANTÓNIO REIS
CARLA DE SÁ
CARLOS ALVARES DE CARVALHO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
CARLOS PINTO COELHO
CATARINA MOURÃO
CATARINA PORTAS
CATARINA TEIXEIRA
CECÍLIA NETTO
CLARA ALVAREZ
CRISTINA PONTE
CUCHA CARVALHEIRO
DIANA ANDRINGA
DINA CABACINHA
DJALME NEVES
EDUARDO JORGE MADEIRA
EDUARDO LOURENÇO
EDUARDO MARÇAL GRILO
EDUARDO PRADO COELHO
ESTRELA SERRANO
EURICO FERREIRA
FÁTIMA ALVES
FELISBELA LOPES
FERNANDO BALSINHA (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
FERNANDO GOMES AFONSO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
FERNANDO MATOS SILVA
FRANCISCO JOSÉ VIEGAS
FRANCISCO RUI CÁDIMA
GUILHERME FAFAIOL
HELENA FELGAS
HELENA GONÇALVES
ISABEL CASTRO SILVA
ISABEL CHAVES
JACINTO GODINHO
JAIME CAMPOS
JOÃO CARAÇA
JOÃO FIGUEIRA
JOÃO PAULO MOREIRA
JOÃO PEDRO RODRIGUES
JOÃO RIBEIRO
JOÃO SOARES LOURO
JOAQUIM FIDALGO
JORGE LEITÃO RAMOS
JORGE PAIXÃO DA COSTA
JOSÉ ALBERTO MACHADO
JOSÉ BRAGANÇA DE MIRANDA
JOSÉ CARLOS ABRANTES (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
JOSÉ FONSECA E COSTA (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
JOSÉ HIPÓLITO DOS SANTOS
JOSÉ PEDRO CASTANHEIRA
JOSÉ RAMOS E RAMOS
JOSÉ REBELO
JOSÉ RICARDO CARVALHEIRO
JÚLIA MATOS SILVA
LEONOR AREAL
LÍGIA AMÂNCIO
LUIS CARLOS PATRAQUIM
LUIS FILIPE B. TEIXEIRA
LUIS GASPAR
LUÍS OSÓRIO
MANUEL ALEGRE
MANUEL CORREIA
MANUEL PINTO
MANUELA FURTADO
MANUELA MELO
MANUELA PENAFRIA
MARGARIDA MERCÊS DE MELLO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
MARIA DO CARMO FIGUEIREDO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
MARIA EMÍLIA BREDERODE SANTOS
MARIA EUGÉNIA BAPTISTA (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
MARIA JOÃO SEIXAS
MARIA JOSÉ MATTA
MARIA SUZETE ABREU
MARIA TERESA ÁLVARES DE CARVALHO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
MÁRIO DE CARVALHO
MARIO LUIS FONSECA
MIGUEL GASPAR
MIGUEL LOBO ANTUNES
MIGUEL VITAL
MOISÉS DE LEMOS MARTINS
NUNO BRANDÃO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
NUNO IVO MAGALHÃES
ONÉSIMO TEOTÓNIO DE ALMEIDA
PAULA DO ESPIRITO SANTO
PAULA JOTTA
PAULO FORTE
PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS
ROSA MARIA DAVID
ROSABELA AFONSO (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
RUI ASSIS FERREIRA (por estar de acordo c/ o essencial tendo dúvidas em relação a alguns dos pressupostos)
RUI MANUEL S. ESTEVES
RUI PEDROSA
SAMUEL COSTA
SIMONETTA LUZ AFONSO
TERESA OLGA
TERESA PAIXÃO
TERESA SOUSA
VIRIATO JORDÃO
VÍTOR ALVES

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