7.9.12

Polémica historiográfica e ideologias


Porque comecei a divulgar alguns textos que se inscrevem na já longa polémica Manuel Loff / Rui Ramos, continuo com um outro, de João Paulo Avelãs Nunes, editado hoje no Público (sem link). Só publico textos «de um dos lados»? Sim, deliberadamente. O Google ajudará quem quiser encontrar os outros, largamente difundidos na net. 


Visa-se com este texto intervir na polémica travada nas páginas do PÚBLICO a propósito das crónicas publicadas por Manuel Loff, a 2 e 16 de Agosto de 2012, sobre os capítulos relativos aos séculos XIX e XX na coordenada por Rui Ramos: Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro trataram os períodos medieval e moderno; Rui Ramos analisou a época contemporânea. 

Começo por manifestar satisfação profissional e cívica pelo facto de o PÚBLICO estar a viabilizar a divulgação para a “opinião pública” do que poderia ser um debate entre “especialistas” acerca da história contemporânea, das relações entre conhecimento científico e ideologia, da utilidade social da história (das ciências sociais em geral). A utilização inicial de uma linguagem mais adjectivante não justifica nem legitima o recurso a insultos ou a anátemas de cariz pessoal, a recusa em considerar questões substanciais entretanto colocadas. 

Justifica-se, ainda, lembrar que muitos historiadores utilizam hoje, em Portugal como noutros países, as categorias de discurso essencialmente “objectivante”, “revisionista” ou “negacionista” para caracterizar determinadas leituras da realidade. Citamos o exemplo de debates ou polémicas sobre problemáticas como as das desigualdades sociais e de género, como as dos regimes totalitários de tipo fascista e de tipo estalinista, como as do anti-semitismo e do Holocausto, como as do racismo e dos regimes de “independência branca”. 

Uma vez explicitadas algumas referências prévias, diria que concordo com Manuel Loff quando defende que muitos dos textos de Rui Ramos sobre a Ditadura Militar e o Estado Novo podem ser caracterizados como “revisionistas”, o que é diferente de “negacionistas” e, mais ainda, de “fascizantes”. Utilizando uma linguagem “naturalizada” — aparentemente óbvia e indiscutível —, Rui Ramos compararia uma Primeira República ditatorial, “terrorista” e “caótica” (protototalitária?) com um Estado Novo ditatorial mas “moderado” e “comparativamente eficaz” (autoritário).
Discordo, também, de várias das apreciações feitas, no âmbito desta polémica, por Maria Filomena Mónica e por António Barreto. Não consigo perceber a necessidade de Maria Filomena Mónica recusar, de modo totalmente infundado, validade à actividade de Manuel Loff como investigador e docente; de lhe atribuir militâncias políticas “inconfessáveis”, bem como uma postura intelectual “fanática” e “maniqueísta”. Evoco a possibilidade de a Primeira República ser encarada como um regime demoliberal com vectores de autoritarismo e não apenas como uma democracia ou, em alternativa, como uma “ditadura revolucionária”. Contesto afirmações como as de que só “falsos historiadores” consideram operatório aplicar os conceitos de “fascismo” e de “totalitarismo” ao estudo do Estado Novo português; as de que os investigadores e docentes da “esquerda delirante” procuram impedir, em Portugal, que os estudantes universitários “tenham acesso a livros que possam pôr em causa o que os professores lhes dizem nas aulas”.

Relativamente à intervenção de António Barreto nesta polémica, estranho que, a propósito dos comentários de Manuel Loff a alguns dos capítulos da História de Portugal coordenada por Rui Ramos, tenha defendido que aquela obra é o primeiro exemplo em Portugal de uma análise “serena” e “normalizada” da Primeira República e do Estado Novo — ambos, “mais do que qualquer outro período, submetidos à tenaz de ferro das crenças religiosas e ideológicas e ao ferrete das tribos”. Segundo António Barreto, quer em ditadura, quer em democracia, antes dos textos de Rui Ramos existiria apenas “o duopólio fanático estabelecido há muito entre as Histórias ditas "da esquerda e da direita".”

Para além de ser difícil, por boas e más razões, caracterizar a produção historiográfica de Rui Ramos como “normalizada”, “serena”, e “sem ajustes de contas”, porquê ignorar o trabalho, entre muitos outros, — e citamos apenas “investigadores seniores” portugueses — de historiadores do Estado Novo como António Costa Pinto, António José Telo, César de Oliveira, Fernando Rosas, José Maria Brandão de Brito, Luís Reis Torgal, Manuel Braga da Cruz, Manuel de Lucena e Maria de Fátima Patriarca? A importância da historiografia (das ciências sociais em geral) é demasiado grande para que se tente transformar uma polémica não num debate científico e ideológico, mas num exercício de afirmação de um “pensamento único” e de ataque violento a quem possa discordar das leituras em causa. 
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2 comments:

Anónimo disse...

Ao dizer que publica os textos de um só lado das barricadas, está a encerrar o assunto. Mas deixe que lhe diga, Joana, eu que fiz a minha formação académica em História a ler textos de historiadores de Esquerda, só me senti verdadeiramente seguro do que lia e escrevia, quando compreendi essa formatação e a pus em causa. O mais importante aqui não é quem é de Esquerda e Direita, é o que podemos questionar do trabalho de cada um dos historiadores. O resto é show off de quem procura protagonismo.

Joana Lopes disse...

Nuno Resende,
Eu não estou a encerrar assunto nenhum, nem qualquer discussão.
Leitores deste blogue pediram-me para publicar o 1º texto do ML e fi-lo. Depois do 2º que divulguei, publiquei um «post» expressamente para indicar onde podia ser lida a reacção de RR.
A seguir, TODOS os escritos dos intervenientes que se opuseram a ML foram amplamente divulgados noutros blogues. Não sinto qualquer obrigação de actualizar um «índice»...