10.3.13

Manuel Vicente: foi-se um amigo



Todos falam do arquitecto que ontem morreu, da marca que deixou em gerações, da sua truculência lendária, da obra em Macau, da Casa dos Bicos e de tudo o resto. Eu recordo o amigo de décadas.
Nem sei há quantos anos encontrei pela primeira vez o Manuel Vicente, mas aconteceu certamente na década de 60. Lisboa era então uma aldeia ainda mais pequena do que hoje é e navegávamos ambos numa vasta onda de amigos e conhecidos que se cruzavam em iniciativas várias, de lazer e não só.

Hoje podia recordar datas, locais, companhias, um fim-de-semana alongado, um pouco delirante, passado em grupo em Madrid, almoçaradas e ceias tardias. Mas fixo o olhar num quadro que tenho à minha frente: um autoretrato de Malangatana, pintado numa folha do Record, que guardarei como uma relíquia até ao fim dos meus dias e que foi feito no atelier do Manel. Foi lá que conheci o pintor que sempre me tratou por «patrícia» (nascemos na mesma terra) e que, no ano de 72, assentou arraiais em Lisboa e trabalhou entre estiradores e esquadros do seu amigo arquitecto. Era um espaço de encontro e de convívio – inesquecível.

Depois, a vida separou-nos, por tarefas e continentes, e só voltou a reunir-nos, há cerca de quatro anos, quando o Manel me «apareceu» no Facebook como uma prenda caída do céu. A partir daí, à noite, tardíssimo, escrevia ou comentava o que ia lendo, sem papas na língua nem condescendências. 
Comecei recentemente a estranhar a sua ausência, já que o último rasto que me tinha deixado era um desejo de Boas Festas, no último dia de 2012. Até que, ontem, caiu a notícia com toda a brutalidade.

Quando o Malangatana se foi embora, há pouco mais de dois anos, o Manel escreveu-me isto: «Speechless! Um pouco de nós morre sempre com cada grande amigo. Vê lá se te vais aguentando.» Foi ele que não aguentou. 
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