22.10.19

Os jovens catalães: vândalos ou revolucionários?



«Muito se tem falado nos últimos dias sobre os confrontos que ocorreram na Catalunha. Ao mesmo tempo, assiste-se à demonização dos jovens por actos de autêntico vandalismo. Mas, afinal de contas, quem está por detrás disto? Quem são os jovens que ateiam fogo à própria cidade e travam uma guerra estratégica em resposta à sentença do procés?

Sobre o jovem catalão, e especialmente o barcelonês, pouco se vê desde fora. É uma espécie autóctone peculiar, ao resultar de uma improvável mistura de diversos factores. Crescem perante uma abertura massiva das suas fronteiras ao exterior e daqui advém um avultado tráfico de estímulos, modas, correntes e movimentos, tal como acontece em Londres, Nova Iorque ou Paris.

Aqui, o elemento diferenciador rege-se, na minha opinião, por uma forte componente de doutrinas psicossociais profundamente enraizadas na sociedade catalã desde tenra idade.

Por um lado, o associativismo, no qual se inseririam os populares Esplais e Caus, grupos que oferecem uma panóplia extensa de actividades extracurriculares como passeios organizados, workshops educacionais e afins. Grande parte dos miúdos inicia-se entre os três e os cinco anos e permanece até à adolescência.

Já o activismo juvenil propriamente dito destaca-se na faixa etária dos 15 aos 20. Se, por todo o mundo, os jovens são categorizados de pequenos adultos aos quais pouco lhes importam as disputas sociais e políticas, o catalão destaca-se pela vontade de observar, aprender, criticar e pôr em marcha os seus ideais em prol das causas que defende.

Dito isto, o contexto social é moldado pela participação não só em juventudes partidárias, mas através de iniciativa própria — o caso de marchas multitudinárias pelo feminismo no 8 de Março (8M), aquecimento global, LGBTI, etc. — ou da afiliação em sindicatos estudantis. O Sindicat d'Estudiants — autoproclamado como “organização estudantil, de esquerdas, revolucionária e anticapitalista” — convocou uma greve estudantil de 72 horas, levando à paralisação das universidades e mobilização de mais de 200.000 manifestantes em Barcelona nesta sexta feira.

Concluímos, então, que a identidade colectiva é de cidadãos do mundo com um toque da típica irreverência catalã, acompanhada de intensa actividade político-social e especial propensão para serem acérrimos defensores das suas causas. À parte, munem-se de uma espécie de imunidade de rebanho conferida pelo associativismo que lhes permite reagrupar e defender o todo perante a queda do individual, ao lutar activamente pelos compromissos – como, aliás, é o caso concreto.

Porém, numa idade em que somos autênticas esponjas, a manipulação dos meios e as exigências da economia e mercados devem ser igualmente tidas em conta. Não obstante, os 500 radicais contabilizados durante os protestos correspondem a 0,1% do total de manifestantes, sendo ainda que grande parte é composta por anarquistas (estrangeiros também), que em nada se revêem na causa.

Sendo assim convido-vos, caros leitores, a relativizar. E é este último ponto que quero que levem convosco depois de ler a peça. Não se deixem levar pelo sensacionalismo e ilusionismo fácil da minoria de hooligans que se retrata nas televisões. O quadro que pintei sobre a peculiar espécie corresponde à grande maioria dos jovens. Andam pacificamente pelas ruas, jogam softball nas manifestações e voltam a casa quando o Sol se põe, cansados após uma longa luta ideológica. Venham cá ver. Onde esta gente se manifesta não se queimam contentores, dança-se.»

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