«Em poucas semanas, praticamente todos os portugueses ficaram a conhecer o conceito de evolução exponencial. O facto de cada pessoa infectada poder passar o vírus a várias pessoas, aumentando exponencialmente, com o tempo, o número de infectados, passou a estar omnipresente nas nossas mentes, tornando muito familiar uma função matemática que, até agora, era usada principalmente por engenheiros, economistas, biólogos, epidemiologistas e outros cientistas. A verdade é que esta característica exponencial da evolução dos seres vivos é bem conhecida há séculos, e está na base de toda a diversidade que observamos no planeta e na civilização humana. Se não fosse este potencial dos seres vivos para crescerem de forma exponencial, o planeta seria profundamente diferente e nós nem sequer existiríamos. A vida conquistou toda a Terra exactamente porque tem tendência a crescer de forma exponencial.
Charles Darwin publicou, em 1859, o livro que o tornou famoso, A Origem das Espécies, no qual tinha trabalhado durante décadas e que descrevia a teoria da evolução. Cerca de um ano antes, Darwin tinha publicado, juntamente com Alfred Wallace, um artigo que descrevia estas ideias cuja autoria, pelas regras normais de atribuição de crédito científico, deveria ser de ambos os autores. Por diversas razões, as contribuições de Alfred Wallace acabaram por cair numa relativa obscuridade, enquanto o nome de Darwin se tornou conhecido em todo o planeta. A teoria da evolução que, desde então, foi o foco de tantas controvérsias, interpretações e estudos, é talvez aquela que mais revolucionou a forma como vemos o mundo e o papel que, como espécie humana, nele desempenhamos.
A teoria da evolução veio esclarecer definitivamente o que é, talvez, a questão mais central que podemos colocar, como seres humanos: como é que aparecemos, como é que fomos criados? A resposta dada pela teoria da evolução, peremptória e incontornável, é que fomos criados pela evolução natural, por um algoritmo que, ao longo de milhares de milhões de anos, optimizou os seres vivos na sua luta pela sobrevivência. Como Darwin percebeu, a evolução das espécies depende, criticamente, desta capacidade dos seres vivos se reproduzirem de forma exponencial (ou geométrica, para usar uma outra expressão). Darwin escreveu “Não existe excepção para a regra de que cada ser vivo se reproduz a uma taxa tal que, se não for destruído, a Terra ficaria rapidamente coberta pela descendência de um só par. (…) O elefante é supostamente o animal que se reproduz mais lentamente, e fiz algum esforço para estimar a velocidade a que se pode reproduzir: não estarei a errar por excesso se assumir que se reproduz quando tem trinta anos, até atingir os noventa anos, criando três pares de crias nesse intervalo; se for assim, ao fim de cinco séculos existirão quinze milhões de elefantes, descendentes do par original.”
Curiosamente, Darwin enganou-se nas contas, como fez notar William Thomson, que se veio a tornar famoso como Lord Kelvin, tendo determinado o valor da menor temperatura possível e dado o nome à escala absoluta de temperaturas. Se analisarmos a progressão proposta por Darwin, verificamos que ela dá origem a uma sequência que se aproxima rapidamente de uma evolução exponencial com parâmetro 1,618, por geração. Significa que, a cada 30 anos, o número de elefantes vivos se multiplica por 1,618. Fazendo as contas, existem apenas 14 elefantes após 100 anos e 8360 depois de 500 anos, não os 15 milhões que Darwin contabilizou. Mas, embora tendo errado nas contas, Darwin tinha razão na essência do argumento. Ao fim de 1000 anos existiriam 30 milhões de elefantes e, após apenas três mil anos, existiriam 3000 triliões (um 1 seguido de 21 zeros) de elefantes se, claro, não existissem limites físicos. Na (impossível) ausência de limites físicos, ao fim de apenas 7000 anos, a “esfera” de elefantes, agora com um número de animais igual a 10 elevado a 50 (um 1 seguido de 50 zeros), teria um diâmetro de 200 anos-luz e cresceria à velocidade de luz!
Tal como os infectados por covid-19 e os elefantes, o vírus reproduz-se exponencialmente, usando as células dos hospedeiros para fabricar cópias de si mesmo. Como acontece com todas as espécies, esta reprodução exponencial será sempre travada por outros factores: incapacidade de recrutar novos hospedeiros, uso de vacinas, utilização de tratamentos ou, no caso mais drástico e dramático, inexistência de novos hospedeiros porque já todos foram infectados e morreram ou desenvolveram resistência. O controlo dos três primeiros mecanismos está ao nosso alcance e todos podemos contribuir, ao manter o isolamento social, para impedir o vírus de recrutar novos hospedeiros.
Este processo, de evolução exponencial de um vírus, de uma bactéria ou de outro animal ou vegetal, está na origem da vida e na criação de todas as espécies que existem. Há milhares de milhões de anos, as primeiras estruturas, usando mecanismos que desconhecemos, conseguiram reproduzir-se de forma exponencial e iniciaram a colonização do planeta. Ao longo desses milhares de milhões de anos, as espécies tornaram-se mais eficazes neste processo, desenvolvendo novos mecanismos para identificar comida e evitar os inimigos. As células individuais agregaram-se em grandes colónias, que partilham o mesmo DNA, conduzindo aos organismos multicelulares, animais e plantas. A capacidade de processar informação veio a revelar-se chave na competição pela sobrevivência, e a pressão evolutiva fez com que se desenvolvessem cérebros, cada vez mais complexos. Cérebros suficientemente avançados levaram à criação de cultura, ciência e tecnologia, que temos agora ao nosso dispor para combater os nossos inimigos. Todos os dias as diferentes espécies lutam para sobreviver e se reproduzir, desde os organismos mais complexos, como os seres humanos e os elefantes, aos mais simples, como os vírus, que precisam de infiltrar seres vivos para se reproduzirem.
Esta Primavera, em que combatemos um novo vírus, é apenas mais um episódio nesta luta pela sobrevivência, que dura há milhares de milhões de anos. A espécie humana tem, do seu lado, uma capacidade única para perceber os mecanismos usados pelas outras espécies. É essa capacidade, a inteligência, que nos distingue dos animais e dos outros organismos. É essa capacidade que nos permitirá ultrapassar, sem danos significativos para a civilização, mais esta batalha pela sobrevivência. Que não será a última, nem a mais severa. Outros vírus, outras bactérias e outras doenças, potencialmente mais letais, continuarão a ameaçar a nossa sobrevivência como indivíduos e, no caso mais dramático, como espécie. Mas a inteligência humana coloca do nosso lado um arsenal de capacidade inigualável, que nos permitirá combater qualquer ameaça desta natureza. O maior inimigo da espécie humana não são os vírus, as bactérias ou qualquer animal. O nosso maior inimigo somos nós mesmos porque, pela primeira vez, uma espécie tem a capacidade de se autodestruir. Esse é o maior risco para a espécie humana, aquele contra o qual devemos estar precavidos e atentos.»
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