19.7.20

As máscaras da Europa



«Não há grandes segredos. Verdadeiramente, no final é sempre uma questão de quem detém e distribui o capital. Poucas vezes a construção europeia, da solidariedade e do Estado de direito, do Estado social, da união entre povos e culturas, de conquistas civilizacionais únicas, esteve tão à prova como agora.

Os sinais são preocupantes, agigantam-se e não são recentes. Refletem-se, também, num desalento dos povos, que cada vez menos se reconhecem nas decisões burocratas de Bruxelas, da renitência empedernida de governos contabilistas, tendo como sintomas mais evidentes o crescimento dos populismos e dos extremismos.

O Conselho Europeu, onde se discute a resposta económica após a crise da covid-19, parte este domingo para a terceira ronda como começou. Dividido entre os países do Norte, os chamados frugais, e os do Sul, sem nome de registo, porque pelo menos há agora o pudor de não apontar o dedo aos gastadores, os do bom vinho, das mulheres bonitas e do modo de vida, esse sim, pior do que frugal quando se olha para os números e para a realidade: salários abaixo da média europeia, milhares de famílias dependentes das redes familiares e sociais, condições de vida precárias.

A pandemia que nos assaltou a todos agravou as diferenças sociais, entre quem resiste e quem mal subsiste. É esse o ponto que está em cima da mesa. A impassividade perante a pressão dos governos do Sul, numa frente que juntou Portugal, Espanha, Itália e França, sem que a visão da chanceler alemã ou da comissária europeia, ambas ainda a segurarem o que resta dos laços de interajuda comunitários, consiga evitar o risco de empurrar um acordo para outubro. Tarde, provavelmente demasiado tarde como depressa se verá na subida dos juros das dívidas soberanas.

O que está em cima da mesa não é muito mais do que a diferença entre ajudar sem exigir contas e apoiar com um caderno de encargos violento, à semelhança do que sucedeu durante a intervenção da troika. Mas hoje é o dia do Senhor. Pode ser que recebam alguma iluminação. A bem de todos nós.»

.

0 comments: