20.9.07

Plenários na clandestinidade

Nuno Teotónio Pereira enviou-me hoje um texto de Carlos Esperança, que foi publicado no Jornal do Fundão, em 6/9/2007.

Descreve um evento com algum significado do último ano do fascismo em Portugal, que teve lugar em Odivelas, em 14 de Janeiro de 1973. Recordo-me bem da sala, de muitas caras, de algumas intervenções. (Lembro-me mesmo de, no fim, ter dado boleia a Maria Barroso...)

Foi o arranque de uma tentativa, por parte da oposição, para se apresentar unida numa candidatura às eleições legislativas que iriam realizar-se em Outubro do mesmo ano.

«Clicando» na imagem, lê-se facilmente o artigo na sua totalidade.


Algumas correcções e adendas:

- Nuno T. Pereira não estava então sujeito a medidas de segurança (nem nunca esteve). O que acontece é que tinha saído muito recentemente de Caxias, onde estivera preso durante alguns dias na sequência da célebre vigília na Capela do Rato, que teve lugar na passagem do ano de 1972 para o de 1973 – e não podia, ou não devia, assumir grande protagonismo.

- O grupo que esteve na base das divergências e da disputa apontadas por Carlos Esperança não era composto apenas por futuros membros do MES, mas por vários outros «futuros», nomeadamente do PRP, que, desde há algum tempo, se tinham organizado numa plataforma clandestina (*), e em torno do qual se movimentavam muitas outras pessoas que não se identificavam nem com o PCP nem com o (também futuro) PS.

Alguns meses mais tarde, já durante o verão, realizou-se um outro plenário com o mesmo objectivo, algures num pinhal perto da Praia de Santa Cruz. Regressaram as divergências entre os mesmos protagonistas e, dessa vez, coube-me a mim ser porta-voz de uma moção que apresentei à mesa do plenário, presidida de novo por Gilberto Lindim Ramos (que, algum tempo depois, viria a tornar-se meu cunhado...). Bem gostaria de ter uma cópia dessa moção ou de me recordar com exactidão do seu conteúdo, mas não é o caso (**). Mas tudo girava, como sempre, à volta de questões de representatividade e de resistência ao que era interpretado como imposição de hegemonia por parte do PCP e suas franjas. Rejeitada a moção, consumou-se a cisão por parte da facção vencida – e lá abandonámos o pinhal, em longa fila indiana, numa cena bastante cinematográfica.


Ensinaram-se a acreditar que a História é, também, feita de pequenas histórias. Aqui ficam mais estas.

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(*) Os leitores deste blogue que fizeram o favor de ler Entre as Brumas da Memória, terão encontrado uma referência a este grupo na p. 174. (Por erro, tinha indicado 274.)
(**) Será que alguém pode ajudar? José Dias? Fernando Redondo?


9 comments:

F. Penim Redondo disse...

Tenho o "Entre as Brumas..." no Alentejo e só depois poderei rever o que referes.

Lembro-me razoavelmente do plenário no pinhal de S. Cruz e a espantosa cena da debandada dos "dissidentes" pelo pinhal fora. Nomes não é o meu forte. Lembro-me de ti, por razões óbvias, e do Wengorovius.

Não me recordo da Assembleia de Odivelas mencionada no artigo do jornal mas lembro-me de uma coisa do mesmo tipo no Palácio Fronteira, em data que não sou capaz de determinar.

Joana Lopes disse...

Quanto ao plenário no Palácio Fronteira, foi na preparação das legislativas de 69 - pelo menos aquele em que estou a pensar.

Anónimo disse...

A história da clandestinidade é deveras interessante mas difícil de contar. É que, em boa verdade, não houve apenas uma mas várias formas de clandestinidades. Que me lembre, e para não me alongar demasiado, para além daquela que era a clandestinidade das diversas organizações relativamente às polícias do regime, havia também a clandestinidade das diversas organizações entre si, a clandestinidade entre grupos de diferente dendência dentro de uma mesma organização, e a clandestinidade dos agentes da PIDE infiltrados em muitas dessas organizações.

Relativamente à boleia dada à Maria Barroso, devo reconhecer que nunca tive mérito para tanto, mas tenho pena. O máximo que consegui foi dar boleia à empregada de limpeza do meu vizinho do lado; que também era uma pessoa importante e se dizia da oposição, mas que tinha um pavor doentiu de que a empregada fosse uma agente da PIDE infiltrada. Razão porque não a despedia, temendo represálias e alimentar uma maior desconfiança relativamente à sua pessoa .-)

João Tunes disse...

Quem diria que, afinal, já "convivíamos" em 1973, pelo menos no "plenário da Santa Cruz"! Lembro-me da "cena da debandada" mas, entre os "cisionistas", quem só se me recorda é a Isabel do Carmo (já a conhecia do Barreiro). Entre os "futuros socialistas", lembro-me do Pedro Coelho. Quanto à "terceira corrente", a maioritária, essa era, então, "a minha gente".

Joana Lopes disse...

Ora bem, João: é que Portugal é mesmo pequeno e as oposições, mesmo todas juntas, ainda o eram mais...

F. Penim Redondo disse...

Joana, a reunião no Palácio Fronteira em que participei não pode ter sido em 1969 pois eu estive na Guiné de Maio de 68 a Março de 70.

Joana Lopes disse...

OK. Então foi mais um com vista às eleições de 73 - no tempo, entre Odivelas e pinhal de Santa Cruz.

Anónimo disse...

Em termos muito abreviados, gostaria de dar um testemunho parcial sobre o plenário de Santa Cruz em que, por sinal, fui o último orador a falar.
E venho sobretudo discordar da visão de Joana Lopes segundo a qual o que aí se passou « girava, como sempre, à volta de questões de representatividade e de resistência ao que era interpretado como imposição de hegemonia por parte do PCP e suas franjas».
Creio que isso é ver só a superficie das coisas. É certo que na CDE de Lisboa tinha havido um aceso debate em torno de questões organizativas e funcionamento, mas o que pesou decisivamente no afastamento daquele grupo ou corrente do movimento de unidade eleitoral foi a circunstância desa corrente ter entrado num processo de radicalização política que desvalorizava a intervenção eleitoral como forma de luta e contestava a centralidade da tónica antifascista
(insistindo numa tónica de luta pelo socialismo).

Foi, em termos de orientações e ideologia, um abandono ou uma saída «pela esquerda» em relação ao PCP para já não falar que esse grupo não apreciava especialmente a participação do PS nesse esforço de 73 até porque tinha sido bastante activo na polémica com a ASP/CEUD em 69.

Bata ler um honesto depoimento que Jorge Sampaio (que também falou no plenário de Santa Cruz) fez para um jornal por volta dos 30 anos do Congresso de Aveiro de 73 (onde não foi) para se perceber que as raizes das divergências eram pelo menos muito próximas da natureza das que eu procurei descrever.

Pareceu-me que alguém deu o Pedro Coelho como sendo dos que abandonaram o plenário mas isso é completamente falso, pois honra lhe seja feita, e calcular-se-á que sei do que falo, foi ele e o Arons de Carvalho que tiveram um grande papel para que se não repetisse a divisão de 69.

Anónimo disse...

Não sei se este meu comentário ainda vai ser lido.

Agradeço as correcções eventuais ao que a minha memória regista na crónica que escrevi para o Jornal do Fundão.

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Quanto às reuniões no Palácio Fronteira houve uma sobre o Dia Internacional da Mulher em que participei. O Tengarrinha estava lá.

Dexo o meu e-mail: aesperanca@mail.telepac.pt

Carlos Esperança