24.10.07

A africanófila

«A aficanófila é uma portuguesa branca que lida mal com o facto de não ter nascido negra. Aloirada desde criança, passa a vida a pintar o cabelo de preto e a fazer penteados que imitam com condescendência absurda o “efeito carapinha”. Só lê Mia Couto e José Eduardo Agualusa; todas as férias são, para enfado do marido, passadas em África. O homem deita as praias de Cabo Verde e de Moçambique pelos olhos. No entanto, a africanófila diz agora que a África lusófona “já cansa” e acalenta um grande sonho: no Verão que vem, vai meter-se sozinha no meio do Congo. O marido, dentista rico, entretanto comprou bilhetes para o Festival de Salzburgo, nome que produz na africanófila vontade de chorar: “nem que fosse uma ópera de Mozart com libreto do Manuel Rui!”. Mas vai correr tudo bem: a africanófila irá para o Congo; e o marido levará para Salzburgo a nova amante, uma angolana deslumbrante que estica todos os dias os seus encaracolados cabelos, cuidadosamente pintados de loiro.» (*)


(*) Frederico Lourenço, Caracteres, Cotovia, Lisboa, 2007, p. 64. Ilustrações de Richard de Luchi.

3 comments:

Anónimo disse...

Não sei por que razão isto está aqui? Se esse senhor costuma morder nos que aponta, mas pronto o blogue é seu, e já que é público, e aberto , o comentário é meu !
Sim, do sô Lourenço não consigo ler nada .... Só mesmo as traduções dos gregos bocadinhos . Por que é que acha interessante o livro? Talvez haja razões que afastem os meus preconceitos! E vá lê-lo, acontece-me frequentemente e sobretudo em literatura. Bem-haja pelo menos a uma referência lit... , actual....

Joana Lopes disse...

Tinha «recomendado» o livro aqui do lado direito do blogue e resolvi hoje pôr um texto. Trata-se de um pequeno volume com pequenos textos, ditos de humor, de que gostei. Sem mais, mas com uma diferença: normalmente,eu gosto do que F. Lourenço escreve e não só do que traduz.

Anónimo disse...

As estrelas cintilantes ou coisa assim foi um livro que me ofereceram , disse logo o que pensava, pois tinha lido excertos, descansado na FNAC e de vários livros, estava então na moda ,e quis saber porquê , faço isso antes de comprar, e até nas traduções sig
critérios apurados de outras referências.
Mas prosa do autor é autoritária e mandona , direi mesmo patroa cultivada .
É verdade gostos não se discutem assim o é pelo menos em blogue !
Prefiro Maria Velho da Costa na desmontagem desse mito, no Irene Ou o Contrato social.