29.4.08

Com perfume de revolução

A revista Marianne (mais uma...) acaba de publicar um dossier especial sobre Maio de 68 (*).

Conhecida pelas suas posições «anti-soissante-huitards», não se afasta significativamente da tradição e adopta uma distância crítica em relação às celebrações em curso e a todo o folclore que as rodeia.

O tom fica dado com o anúncio de que Fauchon, a mais célebre cadeia de restauração francesa, «celebra os 40 anos de Maio 68 com um chá que tem perfume de revolução». Verde, 15 euros, caixa cor-de-rosa com slogans da época (o anúncio vale o tempo de um clique). Comentários para quê.

A favor ou contra 68? Cohen-Bendit ou Sarkozy? Questão absurda, lê-se no artigo introdutório, porque 68 não é propriedade de ninguém, porque há vários Maio 68 – dos estudantes, dos operários, dos libertários, dos... e dos..., porque as mudanças começaram muito antes de 68 e continuaram muito para além dessa data.

Nada de especialmente novo e que não se leia um pouco por toda a parte, mais concretamente desde as comemorações do 30º aniversário, em 1998, e, sobretudo, desde a publicação de May ’68 and its Afterlives de Kristin Ross, em 2002 – obra que continua a ter um papel incontornável em toda esta problemática, citada e recitada por representantes dos mais variados quadrantes e cujo objectivo, segundo o autor, é demonstrar «como o acontecimento em si mesmo foi ultrapassado pelas suas representações, como o seu estatuto de acontecimento resistiu às tentativas de aniquilação, à amnésia social e aos assaltos conjugados dos sociólogos, dos ex-líderes estudantes que, sucessivamente, quiseram interpretá-lo e reclamar o respectivo monopólio».

Ainda na introdução, algumas considerações interessantes sobre posicionamento liberal e posicionamento libertário: nada melhor para mascarar a aceitação liberal no plano económico e no plano social - que vem a desenhar-se desde os anos 80 - do que a postura libertária dos herdeiros de 68. Em paz com o mercado, com a publicidade e com a sociedade de consumo, eles fazem no entanto questão de manter os benefícios intelectuais ligados à ideia de uma qualquer revolução. Au-delà du profit, comment reconcilier Woodstock e Wall Street? - título de um livro que retrata bem este estado das coisas e dos espíritos (**).

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(*) O número da revista em se insere este dossier de dezanove páginas pode ser comprado e «descarregado» na net. Entretanto, também o vi à venda em Lisboa.

(**) Obra de Alain Mamou-Mani, publicada em 1995.

4 comments:

Luís Bonifácio disse...

Se o Fauchon vai comemorar o Maio de 6, então é porque quem é seu cliente, estava há 40 anos atrás na praia debaixo do empedrado.

Joana Lopes disse...

O Fauchon deve comemorar o Maio de 68 como comemora o Dia de S. Valentim, o Dia da Mãe ou qualquer outra efeméride...

Aqueduto Livre disse...

Olá, Joana:

As memórias pessoais servem, quase sempre, para qualquer coisita...

Em Maio de 68 a loja de Fauchon foi assaltada por "une bande d'enragés".

O que os patrões de Fauchon vão, hoje, comemorar é o "souvenir" do susto que então apanharam.

Agora, do ponto de vista do "marketing" comercial, um chá com cheiro a revolução...: "c'est une trouvaille!".

Zé Albergaria

Joana Lopes disse...

Não sabia desse assalto. Já deve estar esquecido...