9.5.09

A força da história oral

Maria Manuela Cruzeiro fez uma entrevista de cerca de quarenta horas a um dos principais capitães de Abril, Vasco Lourenço, e propõe-nos um longo caminho bem pelo interior da revolução de 74, desde as fases de preparação até à Constituição de 1976.
Não me alargo em elogios, mais do que merecidos, porque João Tunes já o fez sem poupar nas palavras, e remeto também para tudo o que ele escreveu sobre o livro, com destaque para a clareza com que o papel de Vasco Lourenço nele é evidenciado.
Três apontamentos de leitura apenas.
- Mais de duas semanas depois de o livro estar disponível, registo, com alguma estranheza devo dizê-lo, a ausência de reacções públicas ao mesmo, apesar de algumas personalidades, de grande relevo na história recente do país (como é o caso do general Eanes), não saírem muito bem na fotografia que Vasco Lourenço delas faz.
- Mesmo se VL responde negativamente, e com grande ênfase, quando lhe é perguntado se não houve «uma dose de sorte» no sucesso das operações no dia do 25 de Abril, fica-se com a sensação contrária: ao acompanhar a descrição detalhada de todos os passos da preparação, volta-se a pensar que muitos fios poderiam ter sido quebrados, a tal ponto eles ainda hoje parecem débeis.
- VL diz, e repete à saciedade, que os militares nunca quiseram fazer uma revolução (à partida, nem sequer um golpe militar), mas apenas devolver a liberdade ao povo através de eleições livres. O filme dos acontecimentos, revisto através da leitura deste livro, mostra, com todo o detalhe e com uma clareza impressionantes, como a revolução ultrapassou imediatamente os seus principais agentes e começou de facto, na rua, no próprio dia 25 de Abril.

* Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Lourenço, do Interior da Revolução, Editora Âncora, 576 p.

1 comments:

José de Sousa disse...

Joana
Tentarei poucas palavras. Farei como se estivesses presente e pudesses mandar calar-me a qualquer momento.
Estou agora a começar a ler o livro, mas adianto:
–Estou de acordo com a tua segunda observação: o que aconteceria se o barco do Tejo tivesse disparado, se tivessem morto o Salgueiro Maia nas Naus (?), ainda por cima com um Jaime Neves, na hora, a poder tomar o comando, se a população nas ruas não tornasse difícil ou impossível o confronto entre a GNR e as tropas do Carmo, se... etc.??
Aquele MFA era uma amálgama de intenções, de preparações e até de pretensões. Lá estaria muito, incluindo algum destemor e será bom não esquecer o dos milicianos, mas mais ainda ficou de fora.
Otelo, numa incrível entrevista (recente), diz que foi preciso, para ele avançar, enganar o Salgueiro Maia, porque ele fez a pergunta, dizendo-lhe que havia generais por detrás da intervenção militar. E que o Maia teria chegado a dizer a Marcelo que ele nunca atentaria contra o Governo do seu País. Ah! a Glória que se chama a si (Otelo,) ou a “honra” e a obrigação, numa personalidade como o Salgueiro Maia, de obedecer ao seu general, ao seu superior.
Segundo VL, Spinola faz uma reunião com mais de 400 oficiais, em Bissau. Onde estavam no 25 de Abril? Claro que muitos estavam em África. Onde estavam os oficiais com que Kaulza contava? Alguns, pela certa, entre os de 25 de Abril. E os de 16 de Março, com aquela confusão entre os dois dias. Onde estavam os militares que apoiavam o regime? E todos o generais que bem sabiam: golpe militar, precisa-se para breve. Para já! Vimos o Kaulza. Se os restantes avançassem, até tropeçariam uns nos outros.
Havia tropa a mais, por aqueles tempos, confundida entre ordens de reunir e de dispersar! Confundida entre várias obediências e desobediências.
Duma coisa me sinto convencido: Caetano ia cair, as forças armadas montavam fortemente os seus arraias no campo político, a guerra colonial, com mais ou menos truques e melhores e piores habilidades, acabaria e as independências seriam mais complicadas. E convencido ainda estou de que não chegariam quaisquer contenções militares ou repressões para conterem a explosão social e os protestos de descontentamentos.
Resumindo, simplificando e, talvez, asneirando: História diferente, Destino igual.
Um abraço