«Quando a desordem se torna ordem, uma atitude se impõe: afrontamento».»
Esta citação que Manuel António Pina faz, no JN de hoje, fez tocar umas longínquas campainhas de feliz memória, que me levaram aos anos 60 e aos célebres pequenos cadernos da editora que foi buscar o nome à referida afirmação de Emmanuel Mounier.
MAP diz que lhe ocorreu «essa epígrafe ouvindo o inenarrável dr. Vitalino Canas reclamar nova maioria absoluta do PS em nome da "estabilidade"». Bastaria ele ter chamado «inenarrável» a Vitalino Canas para ter a minha simpatia e citação. Mas há mais: tal como ele, considero um «afrontamento» que se peça uma nova maioria absoluta em nome da «estabilidade» que temos.
Até porque há muito tempo que penso que a nossa maturidade cívica e democrática só avançará sem maiorias absolutas, com uma aprendizagem de colaboração programática e acordos pontuais entre os partidos que temos – a quem damos o nosso voto e que não são propriamente gangs de bandidos.
As discussões sobre a eventualidade de um Bloco Central, que desde ontem conseguiram ganhar prioridade sobre a gripe suína, tiram-me verdadeiramente do sério. Uns usam-na como uma ameaça a tudo e mais alguma coisa, e reclamarão o «voto útil» para evitar «a desgraça»; outros, para quem viver em estado de consenso é o principal objectivo na vida, desejam-na por isso mesmo como a salvação para todos os males.
Há um pessimismo em tudo isto, uma falta de confiança nos diferentes agentes que estão no terreno e na própria dinâmica da democracia, que não deveriam ser possíveis trinta e cinco anos depois do 25 de Abril – «como se a luta política fosse coisa má», escrevia-me ontem alguém que pensa o mesmo que eu.
Arrojo, audácia, tenacidade precisam-se – para enfrentar e para afrontar tudo o que aí está e o que ainda está para vir.
4 comments:
”Arrojo, audácia, tenacidade precisam-se – para enfrentar e para afrontar tudo o que aí está e o que ainda está para vir.”
Não haverá tempo para isso. Receio-o bem. Não haverá também objecto sobre o qual o exerçamos. Estamos num sistema globalizado e não entraremos em autarcia e nem podemos seguir para os mares do sul, como qualquer ilha perdida. Um paraíso para nós, nem por sombras.
A nossa vida, o nosso meio deixarão talvez de o ser. Podemos entrar numa enorme trapalhada. Não seria vez única na História.
Claro que aquele Vitalino Canas é exemplar como porta voz: alguém capaz de dizer, sem vergonha, os maiores dislates e as mentiras “necessárias” sem corar. Há muita inteligência naquela estupidez.
Claro, que, em eleições e não só, quem mercadeja pede muito para alcançar o possível. Claro que vamos ser intimados, chantageados, aterrorizados com aquela da estabilidade, da governabilidade e do bloco central.
É verdade que não existe, nem pode existir , agora, qualquer tipo de estabilidade e aquela “estabilidade” política, isoladinha e pronta a prestar os seus serviços, é uma forma de imbecilidade. Da genuína. Própria da sabedoria e da prudência de senadores. E a governabilidade, aqui, serve para quê, serve para quem?
Esqueço, propositadamente, que um bloco central no poder se ajusta muito bem a um bloco central de interesses,. São os interesses e não a fé que moverão este “mundo” ?
Eu diria que estas coisas servem para que não existam as suas contrárias. A estabilidade política para que a instabilidade social, etc. não se derrame pelo exercício do poder político, desfazendo-o; a governabilidade para que não haja essa impossível "ingovernabilidade" de não simularem que algo fazem de indispensável.
Eu não quero alongar-me e peço-te desculpa pelo meu pessimismo. Indignado estou, mas sempre estive, e nunca espero muito mais do que vai acontecendo. Isso não me compensa... pelo sentir que vivemos todos um mau destino, para os tempos que não serão apenas os mais próximos.
Calo-me, não sem dizer a minha esperança em grandes transformações que nos ponham a viver com a dignidade e a liberdade que cada homem deveria levar até aos seus limites. No quadro mundial, nós somos ínfimos... e não há alavancas, nem pontos de apoio que nos salvem. Haverá num possível caos um recomeço?
Não recuso o voluntarismo, gostaria de encontrar o seu campo próprio. Aquilo que dizes e que eu cito bem deveria ser um grito lançado ao mundo e não aqui no meio desta nossa “piolheira”.
Com pedido de boa paz, uma vez que pareço estar naquele “pessimismo” que há “em tudo isto” , vai um abraço.
Já sabes que tenho grande dificuldade em responder a comentários tão longos - perde-se o fio à meada - mas aqui vai...
Este post é muito terra-a-terra, não fala de amanhãs que cantam, nem sequer de receitas para o problema da globalização!
Mesmo no meio de todas as «desgraças» que pintas, há várias maneiras de encarar os actos eleitorais que se aproximam, já que eles existem, não? E nem tudo depende do Mundo ou mesmo da Europa!
Desculpa, mas, para mim, é difícil encontrar uma ponta qualquer sem começar a desenovelar o novelo. Olhar para um ponto sem começar a tentar ver o que o rodeia.
Rapidamente:
Eu, como o João Tunes, desejo que continues a afirmar a tua “raiva” que admiro e em que vejo, como ele, uma força jovem.
Claro que se pode fazer coisas melhores nas eleições locais e na política interna, sem nos pormos a chorar por seremos pequeninos e mal nos enxergarmos no mundo. E podemos e devemos agir no local e no presente sem nos pormos com prospectivismos exagerados que venham a reduzir-nos a piolhos.
Precisamos de ser democratas a sério, a sério, a sério e isso passa pela diversidade, a luta política etc, etc.
Não será por mim que haverá maioria absoluta, bloco central e o raio do que
possam querer os instalados interesses económicos e políticos.
Um abraço
«nossa maturidade cívica e democrática»
Que anda há muito, há demasiado tempo à espera de algo aparentemente inexistente em Portugal: Homens maduros.
O estado deste Estado, como resultado da imaturidade das nossas elites políticas.
Querem tanta Europa, e incapazes de um módico de maturidade, incapazes de governar fora do clube restrito de cada quinta.
Que fazer?
JB
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