Acaba de ser lançado o «Compromisso à Esquerda», um «apelo à estabilidade governativa», assinado primeiro por cerca de 150 pessoas e agora aberto à subscrição pública. Tem como objectivo revelar «uma inquestionável vontade de entendimento entre os partidos de esquerda».
Para começar, sou normalmente avessa a este tipo de iniciativas, já que considero que, ao votarmos em determinado partido, estamos a confiar-lhe a missão de negociar com quem entender na sequência do acto eleitoral – sobretudo se este tiver ocorrido há apenas três dias. Mas admito perfeitamente a opinião contrária: são mais do que legítimas pressões deste tipo, têm o seu lugar em democracia e parasse o documento antes do último parágrafo e considerá-lo-ia como um louvável «grito de alma». Mas não pára.
Ao concretizarem o que realmente pretendem – que sejam traduzidas «num programa de governo as lutas e anseios de amplas camadas da população» –, os assinantes passam para um outro plano do qual discordo por várias razões.
1 – Os eleitores do PS, PCP e BE votaram em três programas de governo diferentes, não num projecto de denominador comum. E, como julgo que ficou minimamente claro durante a campanha, existem divergências ideológicas significativas. Está agora a pedir-se aos três que digam àqueles que neles votaram que renunciem a essas diferenças e que desenhem um quarto programa de governo? (Aliás, julgo que nem vale a pena insistir porque todos já disseram que não o fariam.) Mas têm os autores deste apelo alguma ideia sobre «o elenco programático» de que falam? Espera-se que sim e teria sido útil se tivessem avançado algumas pistas para se perceber em que é que estão a pensar.
2 – Foi apregoado aos quatros ventos, com elogios ou reprovações, que muitos dos votos no PCP, e sobretudo no Bloco, foram de protesto contra o PS, Sócrates e as políticas do governo - políticas essas que foram agora reproduzidas para os próximos quatro anos. Isso é para esquecer? Não valeu?
3 – Reconheça-se a força legítima que foi devolvida agora à Assembleia da República e acredite-se que os deputados de esquerda não formam bandos de malfeitores. Eles serão capazes de contribuir positivamente para o avanço do país e para que, numa das próximas legislaturas, possa vir a existir uma verdadeira força de esquerda, essa sim maioritária. Mesmo que leve tempo – o mundo não acaba amanhã.
4 - Last but not the least. Não deveria este texto ser outro e dirigir-se à direcção do PS para que esta resista a todas as tentações e a todas as pressões (sabe-se lá até que ponto estas chegarão…) para que não se entenda preferencialmente, ou apenas, com o CDS e/ou com o PSD? Deixo a pergunta por duas razões: porque sei de quem tenha assinado o presente apelo única e exclusivamente para tentar evitar que o PS «se encoste» à direita e porque, pelos nomes que reconheço na lista de subscritores (e são muitos), vejo que o grosso do pelotão é de eleitores do PS. Assim sendo…
7 comments:
Joana os meus parabéns. Brilhante texto
Obrigada, Jorge. Vou dizendo o que penso. Neste caso até foi fácil já que isto para mim são evidências.
Também penso que sim. Que estes pontos nos iii, da Joana, estão muito bem postos.
nelson anjos
Parecem-me pertinentes os comentários de Joana Lopes ao apelo em questão e muito razoável o seu repúdio.
E assim sendo... esses subscritores, votantes no PS, estarão mais interessados num cumprimento, aproximado ou lacunar que seja, do programa do PS; mais interessados em que se estabeleça uma estabilidade governativa que ainda o torne possível; mais interessados em evitar que o Presidente da República invente uma qualquer maioria, ou uma fórmula governativa que excluam o PS, do que na conflitualidade entre as várias formas de esquerda, com o seu possível crescimento ou a sua possível recriação.
Simpatizo com bastantes dos subscritores. Entendo legítima a sua preocupação de que o PS não venha a encostar-se à direita – é também a minha – mas não me parece que esta seja a maneira de o alcançar. E se isso acontecesse alguma coisa se perderia, alguma coisa que eu tenho por mais importante. Talvez até a possibilidade de se virem a criar as esquerdas necessárias. E aquele remate do último parágrafo do Apelo levar-me-ia, de todo, a não o subscrever. Como aconteceria contigo.
Sem ir mais longe,até porque entro em terreno politicamente incorrecto, eu desejo dizer que tenho uma certa repulsa por aquele poder político que se afirma ao serviço dos anseios, dos problemas, do quotidiano, etc, etc. Governar é sempre conflituar. Das duas, uma, ou é simples conversa para enganar papalvos, e digo-o, embora não pareça, sem qualquer intenção de ofensa, ou vêem o poder como um simples prestador de serviços. Ao seu dispor. Ao dispor de todos e de cada um. Uns verdadeiros "missionários".
Em vez dum Compromisso à Esquerda eu preferiria pensar num “Compromisso de Esquerda”. Falo em pensar. Simplesmente, pensar. Tentarei expô-lo sucintamente. CDU, já que não é possível largar o berloque do PEV, e BE, declarariam (Declaração Política comum ou de qualquer outra maneira, naturalmente com negociação e entendimento prévios, com ou sem patrocinadores) o que estavam dispostos a viabilizar, em conjunto, com o seu voto favorável, fazendo a maioria necessária, e aquilo que os levaria, obrigatoriamente, a apresentar uma moção de censura, pagando por isso as eventuais consequências. Isso, o que os levaria a uma/duas/três moções de censura, repito isso, que a tal os levaria, seriam obrigatoriamente graves compromissos com a Direita e um profundo envolvimento com os PSDs. e os CDS.
Julgo que o Orçamento poderia não constituir problema. Quem se iria atrever a chumbá-lo?
Sem programas comuns, sem participação em elencos governativos ou paragovernativos, com autonomia e independência para os seus programas e actuações políticas e sociais, com toda a visibilidade pública, etc. Apenas aquelas balizas. Assim seria o compromisso.
Enfim, um por aí, sim, dou a minha ajudinha e segue lá, mas por esse lado, não, de todo, e vamos a ver se conseguimos travar-te. Quanto ao resto, vai-te lá desenrascando que logo veremos como será.
Joana, mais uma vez, muita conversa. O “meu” Compromisso de Esquerda é apenas uma ideia. Nem sei se haveria condições políticas, regulamentares ou constitucionais para que fosse possível. E sou o primeiro descrente... e a desconfiar muito da lucidez do meu “alvitre”. Felizmente que não estou em instâncias em que seria obrigado a encarar questões destas.
Abraço
Zé,
Sem ir ai fundo das questões que abordas, apenas duas notas:
1-Tenho reservas mas nenhuma espécie de «repúdio» poe este Apelo.
2-Houve eleitores não PS que o assinaram.
Joana
Tens razão. A minha qualificação de “repúdio” está errada. Corrigiste-a e bem.
Claro que eu verifiquei que havia subscritores do Apelo que, muito provavelmente, não tinham votado PS. E até me pareceu que muitos. Entre eles ( e também entre os que poderão ter votado PS) até há pessoas por quem tenho grande apreço.
Abraço
inteira e profundamente de acordo com todos os pontos, mas e sobretudo, com negrito e sublinhado no ponto 4.
Enviar um comentário