No Sábado passado, o Expresso noticiou que «Manuel Maria Carrilho pode deixar o lugar que ocupa há apenas um ano em Paris. O pretexto remonta a Setembro, quando o embaixador na UNESCO se recusou a cumprir uma orientação do MNE numa votação.»
Recorde-se que o que estava em causa era a ordem recebida do Ministério dos Negócios Estrangeiros (negócio oblige…) para que votasse num egípcio, publicamente conhecido pelas suas posições anti-semitas, para director-geral da UNESCO. Carrilho recusou-se, foi substituído na votação (que o egípcio felizmente até nem ganhou). Tudo bem? Nem por isso: aparentemente, o governo quer agora mudar de representante junto da instituição e não faltam por aí vozes a dar-lhe razão, como a do sempre correcta e politicamente alinhado Eduardo Pitta: que, depois da ausência, só restava a Carrilho pedir a demissão – obviamente...
Note-se que ele nem votou «contra» a vontade do governo: limitou-se a exercer o direito, na minha opinião absolutamente indiscutível, de não se violentar. Num país normal, isso teria sido bem interpretado e seriam muitos os comentários contrários à notícia da sua substituição. Há alguns, apesar de tudo, como este da Ana Cristina Leonardo (a quem roubo, em parte, o título deste post):
«A reacção à notícia do eventual afastamento de Carrilho parece-me tão-só mais um exemplo do formalismo estéril que vem dominando a política cá do burgo, a transbordar de parvenus da democracia apetrechados de uma lógica sofística, maquiavélicos de pacotilha civilizados na forma, gente que faz da política uma dança de salão.»
«A reacção à notícia do eventual afastamento de Carrilho parece-me tão-só mais um exemplo do formalismo estéril que vem dominando a política cá do burgo, a transbordar de parvenus da democracia apetrechados de uma lógica sofística, maquiavélicos de pacotilha civilizados na forma, gente que faz da política uma dança de salão.»
Quem se mete com o PS leva! Lembram-se?
P.S. - E, por falar em Manuel Maria Carrilho, leia-se um excelente artigo que publicou ontem no DN: Uma avalanche e três utopias
16 comments:
como faço sempre, agradeço o link. até porque esta história do Carrilho me indigna particularmente. Nada disto é sério!
Joana, deta vez parece-me que estou em veemente desacordo.
Um embaixador não é um orgão de soberania, é um representante do governo.
Se não se sente bem a representar o governo, não deve aceitar o lugar.
Se, tendo aceite o lugar, não representar o governo, deve ser substituído.
Isto parece-me de um senso comum cristalino, e não me considero um formalista estéril, nem um "parvenu" da democracia (concedo que, não percebendo o que isto quer dizer, o possa ser sem me considerar assim...), nem um maquiavélico de pacotilha (idem, idem), nem alguém que faça da (ou olhe para a) política (como) uma dança de salão (idem, idem).
Mas parece-me que este lugar específico é um lugar muito apetecível para "boys", e nem vale a pena explicar porquê.
E parece-me que o mecanismo que conduziu à nomeação do actual detentor do lugar é do mais tradicional que se encontra no almanaque para "boys": um político aceita imolar-se numa eleição para perder (se bem que ele tenha contribuído de forma inexcedível para essa derrota) e é recompensado com um lugar apetecível.
Francamente, nesta história vejo mais adequada a sentença "quem se mete com o PS leva" ao processo de nomeação do que ao processo de substituição.
Também eu julgo que um embaixador é a voz do governo que pessoalmente representa. Não é um qualquer funcionário. MMC, ainda por cima, não é um carreirista, foi escolhido por confiança pessoal, penso.
Um embaixador que não se revê no que o seu governo pretende que ele faça ou diga, é normal que discuta, tente reverter a situação, e, para não se violentar, se não for ouvido, se demita.
Obviamente um embaixador pode ter opiniões sobre o que o cargo lhe exige que faça, e pode sempre fazer o que lhe pedem de forma inteligentemente personalizada.
Quando tal não for possível de todo, só lhe resta a demissão.
Era o que eu faria, pois não seria aceitável fazer o contrário do que os meus valores me exigissem.
Comparar esta situação a Aristides Sousa Mendes e Sócrates a Salazar, por favor só por má fé.
Que pensariam estes "pensadores" se eu, como benfiquista, manifestasse a esperança de que os avançados do Braga passassem por um "estado de alma" que os levasse a chutar para fora todas as eventuais oportunidades de golo no jogo de amanhã?
Pensariam que eu estava a tratar o caso MMC de forma indigna. Pois eu também penso que esses "pensadores" estão a "aproveitar o caso" indignamente.
Manuel e Vítor,
Pondo de parte a questão da nomeação, se foi tacho para «boy», porque não é isso que está aqui em questão.
MMC foi nomeado como embaixador junto de uma entidade cultural, a UNESCO. Por razões de interesse económico (podiam ser outras, não interessa), o governo ordena-lhe que vote em alguém que, publicamente, toma posições morais, civilizacionais importantes, que, em consciência, lhe repugnam (no que veio a ser secundado pela maioria dos votantes btw). Nem sequer votou contra, «absteve-se», se quiserem, sendo substituído por outro funcionário que cumpriu o que Lisboa queria.
Tem de pedir a demissão???
Mas em que raio de democracia vivem vocês? Centralismo democrático, tipo URSS, puro e duro, não?
Não Joana, etiquetas não, por favor.
Já a propósito de outros casos (claro que sendo outros casos, são situações diferentes) manifestei opinião idêntica.
Por exemplo, e recordando:
1. Nunca faria o que M Alegre está há muito a fazer - manter-se no PS e, de forma continuada e sistemática (há alguma dúvida?), estar em desacordo público com o partido ( a que voluntariamente "pertence".
2. Nunca faria o que J Amaral Dias fez - à revelia, e contra a posição do "seu" partido apoiou a candidatura de Soares.
E, todos sabemos, como o PS e o BE trataram dos casos que estas personagens criaram.
Voltando à pretensa demissão de MMC. O que eu disse foi que, se estivesse na posição dele, não aceitaria continuar - demitia-me.
Ou seja, o centralismo de que falas estava dentro de mim. Não permitiria que fosse exercido por outro lado e eu dentro e sofrendo por causa dele.
Ficou claro agora?
Sim, Vítor, percebo a tua posição.
Mas continuo a não concordar em que não aceites que as pessoas divirjam, mesmo activamente,em determinadas ocasiões e se mantenham nos partidos (Caso da JADias, por exemplo).
Se assim fosse, o PS, por exemplo, já teria perdido muitos dos seus melhores quadros que têm tentado, e de certo modo conseguido, que o partido não vá ainda mais para a direita . E não estou a pensar no M.Alegre.
Mas eu aceito, e até acho indispensável, que as pessoas divirjam.
Ou melhor, prefiro o modelo divulgado (creio que criado, também) por Ed de Bono, que conheci pessoalmente via IBM, e vim depois a encontra em várias ocasiões, a última das quais em Lisboa pela mão do Expresso.
Ele chama-lhe Pensamento Paralelo e defende que complementa (não se opõe, nem substitui) o tradicional Pensamento Vertical, demasiado racional, estereotipado e uniformizado. É daqui, desta conjugação, que saem os insigths, a inovação, o progresso, e a identidade grupal.
Da discussão faz-se luz, costuma dizer-me, e a meu ver bem. E ela deve ser amplamente praticada dentro da organização, seja ela qual for.
Uma vez tomada a decisão do grupo, quem perdeu aceita-a e volta a iniciar a luta interna, mas não vem para a rua apregoar a sua discordância.
E isto é democracia, no meu entendimento, não centralismo democrático ou como lhe queiram chamar.
Mais uma vez, quando as divergências se tornam crónicas, ou de tal forma violadoras dos valores individuais, então o melhor é sair, ou seja, apresentar demissão.
o que eu realmente não percebo, mesmo aceitando discutir apenas formalmente a questão (ou seja, deixando de lado a vergonha que é um estado civilizado ter como candidato uma criatura assumidamente anti-semita e que ameaçou publicamente queimar livros... para segretário-geral da Unesco) é que a divergência do embaixador nessa questão, que foi substituído na altura por outro funcionário que votou conforme as indicações do governo, tendo este então aceite as "razões de consciência" invocadas por Carrilho, se transforme meses depois num motivo de afastamento.
PS.: parvenu da democracia é um recém-chegado que da democracia apenas lhe conhece a forma mas muito pouco do conteúdo (que é complexo e contraditório). E quanto a este aspecto fico-me por aqui que a hora é demasiado avançada para me pôr a falar de Kant.
Vítor (e Joana),
Não se pode comparar a intervenção de um indivíduo dentro de um partido político, em que se representa a si próprio, está entre pares, e pode e deve lutar pelas suas opiniões, com a intervenção de "delegado de..." que é um embaixador.
Um delegado deve fidelidade a quem delega, e a delegação extingue-se no momento em que a trair.
O Dr. Manuel Alegre não está no PS por nomeação e em representação do Engº Sócrates, mas de si próprio.
Pretender que ele se cale ou saia é de facto centralismo democrático.
Joana,
A circunstância de ser ou não ser "boy", ou "garçon" neste caso, não é irrelevante.
O "boy" acrescenta à fidelidade formal que deve a quem representa (o governo) uma fidelidade informal e parasita que deve a quem lhe arranjou o tacho (o chefe do governo).
A infidelidade pode não denotar necessariamente independência, mas simplesmente infidelidade.
Naquela situação, "the right thing to do" seria demitir-se antes da votação e denunciar publicamente a razão da repugnância que motivou a demissão.
Isso denotaria independência.
E, a quem se demitiu de um governo por razões de independência, deveria ser muito mais fácil demitir-se de um lugar de mero embaixador por razões de independência.
Ou não?
Cara Ana Cristina,
Obrigado pelo esclarecimento.
Nesse caso, lamento informar que não sou "parvenu" da democracia, porque tenho 52 anos e nunca me deixei fascinar por utupias anti-democráticas, nem vestidas de preto, nem de vermelho.
Apesar disso, pelas razões que aponto no comentário acima, penso que o embaixador devia de facto ser afastado.
Ana Cristina
Nem vale a pena dizer que estou 100% de acordo.
Manel,
Concordo obviamente com a 1ª parte, vamos então à segunda.
MMC não é propriamente um «boy» qualquer, como aquele jovem Rui da PT, que ninguém conhecia até há poucas semanas. Tem carreira académica e política, foi para muitos o melhor ministro da Cultura desde há muito tempo.
Claro que podia ter-se demitido antes da votação, se quisesse. Mas não quis e continua a não me passar pela cabeça que tivesse a mínima obrigação de o fazer. E ainda muito menos aceito que seja motivo para que o substituam (a ser verdade, como vem sendo noticiado).
Ana Cristina e Joana,
O meu desacordo tem, no entanto, pontos de acordo.
Desconhecia o palmarés do tal candidato, e o assunto na altura passou-me ao lado, mas concordo que tem todo o sentido desmascarar os motivos pelos quais o governo quis votar nele, e o facto de não ter imediatamente resolvido a infidelidade do embaixador e ter preferido deixá-la para uma discreta substituição uns meses mais tarde.
Por estes motivos, vale a pena trazer este assunto para discussão pública.
Joana,
Não é um "boy" qualquer, tem CV...
Mas o que define "boy" não é a idade, mas sim o mecanismo de atribuição de lugares públicos apetecíveis em função da cumplicidade pessoal.
É um modo de gestão danosa, em que se utilizam recursos públicos para pagar favores privados.
Este, especificamente, para alguns pode ter uma carreira (mais académica que política, diga-se em abono da verdade), pode ser considerado o melhor ministro da cultura desde há muito tempo, mas, para outros, pode ser um dos políticos mais mal educados e destituídos de princípios (a lealdade é um deles) da democracia portuguesa.
Discutir isto seria tão estéril como discutir se o Dr. Santana Lopes é charmoso ou não, e não tem utilidade para analisar esta situação.
Fez o frete (candidatou-se à CML), aceitou a recompensa (foi para Paris), não cumpriu o compromisso de lealdade (nem o formal, nem o informal), tiram-lhe o tacho.
É claramente um "garçon".
Joana,
Agora vou fazer, com malícia mas sem maldade, uma pergunta que faz contrapeso à que me fizeste uma vez sobre se eu era monárquico, e que sei que não vais levar a mal...
Será que aos políticos francófilos se devem tolerar atitudes que são intoleráveis nos outros políticos?
Bom fim de semana!
Uma vez mais quero deixar claro:
Não disse que MMC devia, ou merecia, ser demitido. O que eu disse foi que no lugar dele, que ainda por cima não é de carreira mas de confiança pessoal, explicaria as minhas razões e, se derrotado e face a comportamento forçado, ter-me-ia demitido. Não aceitaria a violentação, pois disso se trataria.
Julgo, pois não o conheço pessoalmente, que MMC nem precisa do lugar – tem muito que fazer na academia, como filósofo e escritor, e até como comentador. Além disso está separado da família, julgo que pela única razão de que não pode ser embaixador na UNESCO residindo em Lisboa. Calculo que isto tenha algum peso.
Também nunca disse que MA ou JAD deviam ser expulsos, o que afirmei foi que não procederia como eles (em público, entenda-se).
É facto que relevei a forma diferente como o PS e o BE reagiram a estes "problemas".
Isto sou eu a pensar só com a minha cabeça, sem ter recorrido a Kant, que, creio, ainda não se pronunciou sobre estes incidentes. Por mim seria benvindo.
Não disse que MMC devia, ou merecia, ser demitido. O que eu disse foi que no lugar dele, que ainda por cima não é de carreira mas de confiança pessoal, explicaria as minhas razões e, se derrotado e face a comportamento forçado, ter-me-ia demitido. Não aceitaria a violentação, pois disso se trataria.
Ele teve outro entendimento da situação e nem por isso se violentou, já que invocou razões de consciência para se fazer substituir na votação
E, pessoalmente, prefiro ter alguém a representar o país na Unesco que pensa pela sua própria cabeça - certamente com a ajuda de Kant, que se fartou de pensar sobre ética e política - do que um yes boy qualquer. Achando eu, aliás, que para boy, Carrilho já estará um pouco entradote (e assinale-se que não sou sequer fã incondicional do ex-ministro da cultura)
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