16.7.10

Primavera Raulista?


Bem gostaria de estar optimista quanto ao futuro de Cuba a curto prazo, mas, por mais que tente, não estou a conseguir. Claro que até o presente já é muito melhor do que seria imaginável, há alguns dias apenas, para os dissidentes que aceitaram a oferta católico-espanholo-cubana de apanharem um avião para Madrid. Alguns seguirão em breve para Miami onde têm parentes (curioso desvio quando estavam ali tão perto, mas enfim…), outros seguirão novos rumos ainda desconhecidos.

Entretanto, já começaram a contar histórias de prisão, evidentemente que se sentem exilados e não emigrantes como o governo espanhol afirma, ninguém lhes «oficializou» a situação de liberdade, receberam apenas um passaporte, 395 euros, um fato, uma camisa e uma gravata.

Sobretudo, não «acreditam em nenhuma mudança fundamental», dizem «que o sistema não vai mudar», não têm «esperança de liberdade política», estão «certos que os dissidentes continuarão a ser reprimidos». E parece óbvio que sim e vem daí uma das razões para a minha descrença no processo. Alguém acredita que não só os 52 «elegíveis» como todos os outros presos políticos vão ser libertados, como afirma o ministro espanhol Moratinos? E que ninguém mais será detido? Parece impossível sem uma mudança radical até por um motivo óbvio: seria humanamente inevitável, e politicamente correctíssimo, que os milhares de dissidentes que vivem em Cuba «esticassem a corda» para testar o sistema e forçassem, de certo modo, novas prisões. Eu faria o mesmo.

Num outro plano, e este terá um desfecho a curto prazo, o que vai acontecer aos «libertáveis» que recusarem sair de Cuba – pelo menos dez, segundo se lê, até ao momento? Yoani Sánchez entrevistou Pedro Argüelles que continua detido sem saber o que lhe acontecerá (som aqui).

Custa-me muito crer que esteja em perspectiva uma «evolução na continuidade» e não utilizo esta expressão por mero acaso. Por mais disparatada que a comparação possa parecer, as expectativas tão positivas de muitos, neste momento, fazem-me lembrar o marcelismo e as esperanças depositadas nas aberturas de Caetano, quando este substituiu Salazar em 1968 – porque essas aberturas existiram, ao contrário do que muitos hoje crêem. Bem sei que as circunstâncias e os tempos são totalmente diferentes, mas o que há de comum entre as duas afastadíssimas situações é o facto de se tratar de sistemas ditatoriais e que estes, de um modo geral, não evoluem nem «se reformam»: são derrubados ou implodem (a Espanha é uma excepção, eu sei, bem complexa).Talvez regresse a este tema.

Tudo o que se está a passar me parece muito inconsistente e relativamente estranho. Leio que, antes de concluído o acordo com Castro, o arcebispo de Havana foi aos Estados Unidos numa visita que «formó parte de los acuerdos que la Iglesia alcanzó con el régimen y estuvo destinada, "tanto a garantizar que EE UU no se oponía a la negociación, como a presionar a los responsables políticos de este país para que respondieran con otros gestos de buena voluntad hacia Cuba"». (O realce é meu.)

Estaremos perante um processo de democratização historicamente inovador e único ou…?

(Fonte, entre outras)

E não me sai isto da cabeça:


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3 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana,

Há uma diferença muito grande entre a Cuba do Raul Castro e o Portugal do Marcelo Caetano: o Fidel está vivo; o Salazar estava morto (ou alienado da razão até morrer).
E há outra: o Marcelo Caetano foi o professor que se tinha demitido de Reitor por a Universidade ter sido ocupada pela polícia, o que em ditadura é um gesto que exige frontalidade e coragem; e o Raul Castro, o que fez para confrontar a ditadura?

Joana Lopes disse...

Quanto à primeira parte, até estive para referir o facto, já que vi a entrevista que o Fidel deu no dia em que os primeiros presos saíram de Cuba: parecia um ET, a falar do perigo eminente de guerra nuclear RUA-Irão.
Quanto o segundo ponto, mais razão me dás: se nem o Marcelo conseguiu uma «evolução», não será Raúl a consegui-la (independentemente de a coragem de MC em 62 ter sido mais corporativa do que outra coisa qualquer).

Manuel Vilarinho Pires disse...

Eu em 62 tinha 5 anos, já não me lembro se a coragem dele foi corporativa! :-)
Mas a coragem do Gorbachev também foi corporativa, e talvez ela seja o motivo mais determinante para hoje em dia estarmos aqui a conversar em vez de sermos poeira radioactiva.
Deus escreve direito por linhas tortas...