7.10.10

Competir com o Bangla Desh?


«Cada vez mais acho que a resposta correcta à pergunta “o que é uma depressão?” é: esperem para ver.

Não tinha de ser assim. Aliás, nada disto tinha de ser assim. A bolha do imobiliário não tinha de se tornar num crise financeira, a não ser pela total irresponsabilidade com que se deixou o sector financeiro criar produtos tóxicos com base nela. A crise do sector financeiro não tinha de se ter transformado numa crise da economia real, a não ser pela leveza das regulações à banca e aos fundos de investimentos, que puderam alavancar-se sem acautelar garantias suficientes. (…) E, finalmente, mesmo tudo isto não teria de tornar-se numa depressão, a não ser pela insistência em fazer a população comum pagar pelos erros dos predadores no topo da economia. (…)

Em suma, sim: é fácil prever que os opinadores do costume terão a depressão que desejam para nós. Já começaram, como de costume aliás, a fugir às suas responsabilidades, dizendo que a austeridade vem “demasiado tarde”, ou que é “demasiado pequena”. (…)

Vocês terão direito agora à nossa libra de carne, que tanto desejaram. Mais tarde, cortaremos uma perna. E depois ficarão surpreendidos por não nos mexermos, e ficarmos até mais pesados do que no início. Os cortes nos salários públicos serão acompanhados (já estão a ser) por descidas nos salários privados. A intenção deve ser que nos tornemos competitivos com o Bangla Desh e, de caminho, igualmente implacável com os pobres e os velhos. As famílias não pagarão as suas dívidas. A nossa situação no euro tornar-se-á insustentável.

O único consolo será não estarmos sós. E talvez um dia a União Europeia entenda que assim se desfaz.»

Rui Tavares, Olá, depressão
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