27.12.10

Intifada contra o neoliberalismo?


Através da Attack Espanha, cheguei a um importante artigo de Jónatham F. Moriche, significativamente intitulado 2011, ¿una intifada europea contra la dominación neoliberal?

Tentarei resumir, sobretudo através de muitas citações (demasiado longas, eu sei, mas não deu para cortar mais…) Este era o tipo de texto que, desde há algum tempo, eu esperava encontrar.

Depois da crise do mercado hipotecário nos EUA em 2008, e das respectivas consequências que contagiaram o plano económico um pouco por todo o mundo em 2009, chegou finalmente a crise política no ano que agora termina. Mas enquanto até há relativamente pouco tempo apenas foram atingidas minorias pobres e mais ou menos periféricas, as vítimas são agora «los acomodados habitantes del centro, privilegiados beneficiarios del gran pacto social posterior a la II Guerra Mundial, que mediante importantes concesiones de las élites del capital a las fuerzas del trabajo (en materia de libertades civiles, derechos laborales o servicios públicos) consolidó una asentada paz social de treinta años en el corazón del sistema-mundo capitalista.»

Perante esta realidade, Moriche estranha a apatia da população europeia perante a devastação das suas condições de vida e o descrédito das instituições políticas democráticas. E não exclui a esquerda: «La izquierda europea se interroga pasmada ante este mórbido estancamiento de la iniciativa ciudadana ante su propia depauperización económica y sojuzgamiento político.» Esquerda que, em vez de enfrentar esta crise do capitalismo, lhe responde com a sua própria crise «que es no tanto el empuje de sus adversarios como su propia debilidad, fragilidad y dispersión lo que está haciendo posible que de esta crisis esté emergiendo, no una alternativa frente al neoliberalismo, sino una reforzada y endurecida hegemonía neoliberal».

Se a Espanha se destaca na referida apatia, não está sozinha: «La abismal apatía española no sirve, afortunadamente, para retratar al conjunto de la sociedad civil y la clase trabajadora europea, pero tampoco en Grecia, Francia, Italia o el Reino Unido, donde la respuesta en la calle ha alcanzado picos de notable intensidad, la izquierda ha conseguido embridar la deriva de políticas de austeridad y recortes sociales, ni mucho menos imponer un rumbo alternativo hacia un proyecto social y económico propio. ¿Por qué? La mayor parte de las principales organizaciones de la izquierda europea permanecen ancladas en posiciones que, si es que una vez fueron válidas, en tiempos mejores de abundancia material y estabilidad institucional, ya no lo son, y difícilmente volverán a serlo en un futuro cercano».

«El completo fracaso de los líderes del ala más sensata y pactista del neoliberalismo (Barack Obama en EEUU, José Luís Rodríguez Zapatero en España, José Sócrates en Portugal…) pone en evidencia, hasta para sus más sinceros y bienintencionados defensores, la inutilidad de las estrategias de conciliación, y la “traición de la socialdemocracia” ya no es un reproche de la izquierda revolucionaria.»

Os próprios sindicatos, agrupados na sua Confederação Europeia, continuam «sin reconocer esa avanzada agonía democrática, convocando pálidas manifestaciones y disciplinados paros laborales absolutamente inofensivos, para forzar rondas negociadoras absolutamente ineficaces frente a gobiernos que casi nada pueden ya negociar porque casi nada pueden ya decidir».

Assim sendo, «sólo el salto de las grandes mayorías sociales y de sus organizaciones representativas a una dinámica abierta y decididamente insurreccional puede forzar un nuevo reparto de cartas en el titánico conflicto de clases que se pretende encubrir bajo el espeso manto de cifras de esta crisis. (…) La desobediencia y la sedición no son delitos sino obligaciones cívicas ante instituciones y gobiernos que contravienen sus propios principios fundacionales (…). No se trata, pues, de lanzar una insurrección, sino de defenderse con medios proporcionados a una opresión tirânica».

«No será como en la Inglaterra de 1642, ni como en la Francia de 1789, ni como en la Rusia de 1917, porque la Historia nunca se repite de forma idéntica a sí misma por muchas analogías parciales que podamos encontrar entre aquellas y estas circunstancias históricas.»

Não valerá a pena, julgo eu, entrarmos nas habituais querelas, para já dispensáveis porque provisoriamente inúteis, de saber se a rebelião e a revolta levarão a algo que deva mais tarde ser apelidado de «revolução» (assumindo-se que todas as revoluções começam com revoltas sem que estas desemboquem necessariamente naquelas), mas o que parece urgente é não aplaudirmos, mesmo que secretamente, a reprovável brandura dos nossos ordeiros costumes, que nos mantém confortavelmente fora da rua. E, sobretudo, tomarmos desde já partido, como muito bem lembrou o Zé Neves, numas Boas Festas que poderão ter passado despercebidas, entre o brilho das luzes natalícias e as compras do Black Friday no Corte Inglés: «E que conversa é a nossa que quando vemos confrontos políticos nas ruas de Atenas ou de Londres ou de Roma ou de Maputo nos limitamos a falar do desespero de quem se revolta e só depois tomamos (quando tomamos) partido?» Nem mais.

P.S. - Sobre Portugal, ler: "Explosão" social poderá suceder à estupefacção, por Boaventura Sousa Santos e António Barreto.
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5 comments:

NG disse...

Intifada contra o neoliberalismo? Esse que dá a quem não precisa e tira de quem não tem? Esse que paga, a uns, viagens mês sim mês não ao Butão e à Patagónia, e a outros nega emprego digno, saúde e educação? Vamos embora! Onde estão as matracas?

Miguel Serras Pereira disse...

Nuno,
não o supunha capaz de escrever uma coisa destas. Lamento muito dizer-lho, mas o caceteirismo do seu comentário lembra-me tempos que você não conheceu, ou só através da história, em que este tipo de ataques pessoais eram o pão nosso de cada dia, ao abrigo da censura e da polícia política.

msp

Joana Lopes disse...

Não te preocupes, Miguel: há anos que estou habituada a estas tiradas do Nuno Gaspar. Não me aquecem nem arrefecem.

NG disse...

Miguel e Joana,
Não pretendo atacar pessoalmente ninguém. Muito pelo contrário. Acho que a Joana até já perecebeu que, apesar de estar quase sempre em desacordo, tenho carinho e estima pelo percurso de vida que aqui descreve (não fosse assim, não punha aqui os pés). E é por achar que este sistema lhe(s), e nos, tem dado oportunidade de viver e fazer coisas tão extraordinárias que me choca a facilidade com que lhe atiram pedras. Faz lembrar o velho "morder na mão que dá de comer". Nunca as oportunidades de realização pessoal foram tão acessíveis a tanta gente. Para serem ainda mais, acho a arruaça menos útil do que o trabalho e o empreendedorismo individual.
Olhe, e p'rá semana também vou a Buenos Aires e a Santiago.

Miguel Serras Pereira disse...

Nuno,
ainda bem que esclarece. No entanto, faço-lhe notar que as causas da arruaça - e esta nunca é um bom método, ainda que, por vezes, o recurso a meios violentos se possa impor como única via - residem numa situação estrutural que faz com que o Nuno, a Joane e eu próprio pertençamos a uma percentagem infima da população, sendo que não me parece que seja a nossa diligência e espírito de iniciativa pessoais por contraste com a falta de iniciativa e a indolência da imensa maioria a razão de assim ser.
Noutra ordem de ideias, não me parece demonstrado que a iniciativa individual seja desencorajada pela perspectiva de uma sociedade igualitária e democrática.

msp