César das Neves, Deus e as dívidas à banca, num Conto de Natal que se faz favor…
«Tudo o que tu tens, do teu cérebro à tua mulher, passando pelo sistema solar e o teu emprego, não é, nem nunca foi, teu. É do seu verdadeiro dono e foi-te confiado durante um bocadinho de tempo. Mais: como sabes bem, não se trata de um único empréstimo feito ao nascer que se paga na morte, porque estás permanentemente a receber novos benefícios. Mesmo que vás pagando os juros pontualmente, a tua dívida vital aumenta todos os dias exponencialmente. (…)
Por isso, a questão central da vida não é cumprir regras, ser bonzinho, preocupar-se com os outros. É ser realista e compreender que devemos tudo. Tudo o que somos e temos, devemo-lo a Outrem. A única forma verdadeira de viver é numa total e profunda dependência deste Deus que nos dá tudo. (…)
O problema central da vida é a dívida absoluta, esmagadora, totalitária que temos perante o banco divino. Que, felizmente, nos ama mais a nós que nós próprios.»
Tal como os outros bancos?
Na íntegra.
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3 comments:
Gostei muito deste conto de Natal do Dr. João César das Neves.
Para começar, simplificou, e de que maneira, tudo o que cheire a teoria económica: afinal, as mais valias vão todas direitinhas para o mesmo bolso, o do Outrem.
Do lado da religiosidade, ficou tudo cristalino: é possível prescindir da fé, mas não dos juros da dívida ao Outrem; não se amortizam estes mesmo cultivando aquela (interpretei isto como uma indirecta ao Dr. Ricardo Salgado, mas posso estar enganado).
Peço desculpa por parecer subestimar a brisa poética que varre o conto de uma ponta à outra; mas as subtilezas linguísticas tiveram que ceder perante os imperativos inescapáveis do conteúdo.
Então, Joana, agora também publicas excertos de claro sabor sacrílego? Ou que outra coisa dizer de um extraviado que chama "Outrem" a Deus mesmo? E que faz da divindade uma caricatura de usurário e tirano? Bem dizia a outra que o ateísmo era uma purificação…
Pois, Miguel, o teólogo CN deixa bastante a desejar...
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