8.1.11

As presidenciais que aí vêm e a crise que já cá está


Sandra Monteiro acaba de publicar um texto importante no último número de Le Monde Diplomatique.

O que está em causa não é apenas escolher, dentro de alguns dias, o candidato que deverá ocupar o palácio de Belém durante os próximos cinco anos mas, antes disso, parar para pensar qual o papel que o actual presidente teve no período que agora termina e como se comportou perante a terrível crise que entretanto nos atingiu.

Os excertos que se seguem não dispensam a leitura na íntegra.

«Os eleitores podem optar por dar um sinal político forte de que não estão do lado da crise − nem da sua génese, nem das respostas que impedem que se lhe veja o fim. Se o quiserem fazer, serão úteis todos os votos que não recaiam no candidato Aníbal Cavaco Silva. (…)

Cavaco Silva é, assim, um protagonista activo, e talvez durante mais tempo do que qualquer outro político da actualidade, do processo do neoliberalismo à portuguesa, não um processo em que do constante ataque ao Estado resultem simples e generalizadas privatizações, mas antes uma permanente disputa pela reconfiguração do Estado de modo a que este seja, com os seus recursos, cada vez mais colocado ao serviço da acumulação do capital financeiro, da corrosão do Estado social e dos princípios de universalidade, de redistribuição e de igualdade que estão na base da construção de sociedades de bem-estar. (…)

Aquilo a que o candidato Cavaco Silva chama «aventura», quando se refere às escolhas que os portugueses podem sentir-se no direito de fazer, é no fim de contas um atestado de menoridade aos cidadãos e, em consequência, à própria democracia. (…)

Na sociedade da «fabricação do consenso» finge-se a neutralidade política e escondem-se os interesses, legítimos ou não, que se escondem por detrás das atitudes dos mais fortes (as dos mais fracos, pelo contrário, são sempre alvo de suspeição ou denúncia). Se assim não for feito, corre-se o risco de os cidadãos se entusiasmarem com a aventura da democracia: que se ponham a pensar e se informem; que não aceitem formar opinião sem ouvir pontos de vista realmente contraditórios; que sintam o prazer do debate e a responsabilidade de serem parte de uma decisão; que não se sintam impotentes por tudo ser decidido longe deles e independentemente da sua vontade. Neste tempo de deriva suicidária da União Europeia, em que certa política se diz refém dos mesmos mercados cujo poder ela construiu, as próximas eleições presidenciais podem dar um sinal de que muitos cidadãos não estão do lado da crise: nem da crise que lhes impõe a austeridade e as desigualdades, nem da que os menoriza como sujeitos políticos no quadro da democracia. Derrotar Cavaco Silva será derrotar o rosto desta dupla crise, económica e política.»

(Publicado também aqui.)
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3 comments:

Fenix disse...

Só lamento que os partidos de esquerda não se tenham unido contra a direita, nestas presidenciais, e "obriguem" os cidadãos responsáveis a ter que olhar as sondagens, fazer contas e alguns a ter que engolir um sapo.

Joana Lopes disse...

Caro Fenix, Haver vários partidos de esquerda só aumenta a escolha à 1ª volta e diminui a abstenção. Nenhum problema, antes pelo contrário.

Anónimo disse...

Texto interessante...Cavaco Silva é um dos responsáveis por este estado de coisas...foi um presidente "inútil"...
Esta crise só desaprece se atacr de fundo o sistema...e isso os candidatos que se dizem de esquerda não fazem...ou não querem...

Rui Mateus.