29.1.11

Para além das imagens


«Quem disse há poucos anos que "o mundo está perigoso" pecou por apressadinho. Hoje, sim, o mundo está perigoso. Como se mede o perigo tipo agora-é-que-é? É quando vemos ditaduras corruptas a estremecer com multidões na rua e nós a hesitar: vamos lá ver o que vem a seguir... Ontem, estaríamos eufóricos com jasmins nos canos das espingardas, em Tunes, ou com aquele carro policial a meter o seu jacto de água entre as pernas porque um só jovem em larga avenida cairota o defrontou... Agora, fazemos contas. E elas são contas de três complicadas: há os bons, os maus e os péssimos. E estes, não tendo ainda entrado em cena (aparentemente), bem podem ser os vencedores finais. Vejam a muito poderosa Hillary Clinton enredada também ela em contagens múltiplas. Mediu os mesmos manifestantes, com iguais razões de protesto, tunisinos e egípcios, por bitolas diferentes. Aos primeiros, aplaudiu-lhes a coragem, aos segundos, negou-lhes homenagem. Leia-se na diferença só isto: o perigo dos péssimos na Tunísia é menos provável do que no Egipto. Olhem, outra característica do mundo quando fica mesmo, mesmo perigoso: além do preto e branco acrescenta-nos muitos cinzentos. Mas, claro, nem todos vêem isso. Só os que têm um mapa-múndi lá em casa e percebem que o mar Mediterrâneo se chama assim porque não é um grande oceano.»

Ferreira Fernandes no DN.
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