9.1.11

Vítor Alves - Morreu o Capitão Diplomata


Um texto de Mª Manuela Cruzeiro, escrito para este blogue.

Era o mais sereno e discreto dos Capitães de Abril, na verdade Major, alguém que se imaginava melhor nos corredores da carreira diplomática do que nas unidades militares, mesmo que fosse na sala de oficiais.

Oficial do Estado Maior, levou para a conspiração a dose de realismo, moderação e autoridade que refreasse os excessos de optimismo dos jovens capitães. Membro da Direcção da Comissão Coordenadora do MFA (juntamente com Otelo e Vasco Lourenço), integrou o núcleo duro do Movimento, desempenhando o delicado papel de mediador nas difíceis negociações do Programa do MFA, um texto que faria do 25 de Abril algo muito diferente de um clássico golpe militar.

Essa imagem colou-se-lhe. Será sempre o capitão diplomata. Controlado nas palavras e nas emoções, nunca se vangloriou do seu protagonismo pessoal e muito menos quis louros que não lhe pertencessem, sempre fiel à curta declaração que fez na primeira conferência de imprensa na noite de 25 de Abril de 1974: «Não houve um só chefe. Fomos todos nós!»

O seu low profile manteve-se, quase fazendo esquecer uma brilhante carreira político-militar, que atravessou todas as fases da Revolução: integrou o Conselho da Revolução durante toda a sua vigência, foi membro do Conselho de Estado, figura destacada do Grupo dos 9, além de ser o militar de Abril com mais intenso percurso político: Ministro sem pasta do 2º e 3º governos provisórios, Ministro da Defesa Nacional e da Comunicação Social no 4º Governo Provisório, Ministro da Educação e Investigação Científica no 6º Governo Provisório.

Morreu num período de profunda crise nacional e, consequentemente, de vertiginosa actividade noticiosa - razão (ou pretexto?) pela qual a sua morte não passará de breve apontamento nos grandes meios de informação. Já assim aconteceu com outros seus companheiros. É pena, é injusto, é indesculpável um país despedir-se assim de um dos seus melhores.

...
...

2 comments:

João do Lodeiro disse...

Quero só expressar o meu regozijo por saber que ainda há quem se importa. Obrigado por este post.

Gostaria somente de acrescentar que o Major Vítor Alves foi um militar que fez ver aos políticos a arte de bem governar. A sua visão e inteligência permitiu, por exemplo, que o Museu Nacional da Ciência e da Técnica fosse oficializado. Este militar-político mostrou assim a outros que, como cientistas de carreira, deixarão o seus nomes ligados à destruição deste Museu Nacional. Para vergonha de todos nós, claro. Prova assim que foi bem mais inteligente do que eles.

Jorge Castro (OrCa) disse...

Felizmente não apenas há luar, como ainda há quem dê corpo e voz ao manifesto, contra a vileza deste silêncio dos dias cinzentos e lúgubres que vivemos.

Tudo porque se queremos Abril sempre, tal vontade não pode nem deve alhear-se daqueles que o fizeram cumprir-se.

Bem haja, pois, pela evocação a ajudar-nos a despertar da letargia.

Recordar Vítor Alves, sedimentá-lo na nossa memória colectiva, eis também um modo de prosseguir Abril, sempre.