A ler, ou reler, a excelente crónica de Rui Tavares no Público de há dois dias.
«Há mais ou menos dezoito anos, um editorial deste jornal teve a ideia de chamar “geração rasca” aos jovens que na altura tinham mais ou menos dezoito anos. A geração — essa geração, a minha — nunca mais conseguiu esquecer. Com toda a ambiguidade, levámos o nome a peito: ficámos ofendidos com ele, um pouco envergonhados sim, muito irritados também, mas fizémo-lo nosso sobretudo, tentando dar-lhe a volta (a “geração à rasca”) às vezes. Recusámo-nos sempre, sabe-se lá porquê — porque era injusto, digo eu —, a largá-lo.
Que o nome era injusto foi-se vendo depois. Na verdade, esta geração, que tem agora o dobro da idade, não foi absolutamente nada rasca. Pelo contrário, espanta-nos a nós — e a quem quiser observar — o quão cordatos fomos. Passámos a segunda metade das nossas vidas com esse ferrão do vexame em manifesto silêncio. Ouvimos até à náusea que éramos a “terra queimada” do sistema de ensino — chegámos a repeti-lo nós, por reflexo condicionado — até muito recentemente apenas se ter começado a reconhecer que afinal somos a “geração mais bem preparada” de sempre no país. O que pode não ser difícil, mas não deixa de ser verdade. E nestes anos todos, de forma passiva, cabisbaixa e rotineira lá fomos aceitando mais um estágio, mais um subemprego, mais uma caderneta de recibos verdes, mais um mês no call center, ou — pior ainda — um telefonema do call center a dizer que afinal não precisamos de ir neste mês nem nos seguintes.»
Na íntegra aqui.
Sou da geração sem remuneração / e não me incomoda esta condição. / Que parva que eu sou! / Porque isto está mal e vai continuar, / já é uma sorte eu poder estagiar. / Que parva que eu sou! / E fico a pensar, / que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar. / Sou da geração ‘casinha dos pais’, / se já tenho tudo, pra quê querer mais? / Que parva que eu sou! / Filhos, maridos, estou sempre a adiar / e ainda me falta o carro pagar, / Que parva que eu sou! / E fico a pensar / que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar. / Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’ / Há alguém bem pior do que eu na TV. / Que parva que eu sou! / Sou da geração ‘eu já não posso mais!’ / que esta situação dura há tempo demais / E parva não sou! / E fico a pensar, / que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.
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2 comments:
Joana,
Em 1974/77 fiz graduação na USP de Ribeirao Preto, SP, Brasil. Trabalhei 4 anos em va'rios laboratorios, grupos de pesquisa numa mais feroz competição entre nós, alunos. Sai da biologia com a percepçào mais cruel que podemos ter de uma instituição de ensino. Fui para a área de humanas e cá estou na educaçao. Hoje, na universidade onde trabalho os jovens estão sendo levados a uma guerra sem precedentes em nome da produção cientifica e da carreira. de graça ou por uma bolsa de parcos cruzeiros.
Simplesmente fantástica a canção. A ampliação da oferta de ensino superior seguindo lógicas mercantilistas é uma das grandes causas da parvice da nossa geração. Enquanto as instituições privadas disputam pelo mercado de alunos pagantes (e por que não dizer comprantes?), as públicas disputam as verbas dos governos dos modos mais heterodoxos possíveis. E os indíces de diplomados aumentam no mesmo ritmo que o de desempregados. Pessoas qualificadas por esses sistemas quiméricos estão espalhadas tentando se virar em subempregos. A iniciativa privada está comemorando, nunca antes pode-se ter tanto subalterno pós-graduado contente em ocupar uma vaga que outros pós-graduados topariam tomar pela metade do salário.
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