Um texto de Mia Couto
O país chorou e, com verdade, Malangantana. Todos, povo, partidos, governo foram verdadeiros na dor da despedida. Vale a pena perguntar, no entanto: fizemos-lhe em vida a celebração que ele tanto queria e merecia? Ou estamos reeditando o exercício de que somos especialistas: a homenagem póstuma? Quem tanto substitui pedir por conquistar acaba confundindo chorar por celebrar. E talvez o Mestre quisesse hoje menos lágrima e mais cor, mais conquista, mais celebração de uma utopia nova. Na verdade, Malangatana Valente Ngwenya produziu tanto em vida e produziu tanta vida que acabou ficando sem morte. Ele estará para sempre presente do lado da luz, do riso, do tempo. Este é um primeiro equívoco: Malangatana não tem sepultura. Nós não nos despedimos.
Existe, na verdade, um outro equívoco. E o logro pode ser este: Malangatana não foi apenas um grande artista. Ele foi a alma de um país. Foi alma de todos nós, Moçambique e moçambicanos. Através dele fizemo-nos ser escutados como gente, capaz de ter rosto e nome, capaz de sonhar.
O pintor resgatou e colocou não apenas em tela, mas em toda a sua vida, aquilo que eram os nossos quase sempre atabalhoados sonhos, povoados mais de monstros do que luminosas certezas. Malangatana fez por Moçambique o que todas as embaixadas do país juntas não fizeram. Não se trata aqui de menorizar o trabalho diplomático, certamente intenso e árduo. Trata-se sim de entender o quanto pode a arte como linguagem universal e como veículo de afirmação e dignidade de um povo.
O que estamos celebrando, mais do que um exímio artista, é a sua dimensão humana feita de afecto, verdade e universalidade. Mais do que um homem de cultura, ele foi um homem de culturas. A sua individualidade construiu-se na pluralidade. A necessidade dessa pluralidade é, talvez, a mensagem mais importante que ele nos deixa. Num momento em que vivemos uma versão única da nossa própria história, num momento em cresce a tentação de um pensamento único, esse legado do Mestre torna-se quase uma urgência. A diversidade é o maior alimento da alma humana. Tendo militado politicamente, não foi nunca um político. Não fez favores de conveniência, não se converteu num funcionário, num yes man cultural. A lógica dos seus quadros, mesmo quando ele se entregou à luta política, não foi subordinada a qualquer simplificação ao serviço da causa. O que ele nos revela, na sua pintura, foi o invisível. Tendo sido todos os outros, o que ele mais foi, foi ele mesmo.
(Continuar a ler)
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