1.5.11

«Cuba: Não estão sós» – Um documento divulgado hoje por vários colectivos cubanos


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Através do João Bernardo, recebi o pedido de me associar à divulgação deste texto sobre a situação em Cuba, difundido hoje por vários colectivos cubanos e outros, entre os quais o Passa Palavra.

Temos que afastar, desde a base e à esquerda, o silêncio e a auto-censura que consagram a impunidade, procurando “não fazer o jogo do inimigo”. Por coletivos cubanos, Colectivo El Libertario (Venezuela), Colectivo Actores Sociales (México) e Passa Palavra.

Terminou o IV Congresso do Partido Comunista de Cuba com a aprovação das reformas liberais (“a cada um segundo o seu trabalho”) anunciadas no âmbito económico, mas também com a redução dos serviços sociais, associados ao aumento da presença de militares e tecnocratas no aparato governamental, enquanto se reduziu por outro lado a participação dos intelectuais e dos trabalhadores.

Tanto na retórica como nos factos, a eficiência, o controle e a disciplina substituem a igualdade, a solidariedade e a participação. E com este pano de fundo se vislumbram sinais repressivos sobre o mundo cultural, que pressagiam um novo retrocesso no exercício das liberdades fundamentais para a população cubana.

Importantes artistas vêm seus nomes embargados por funcionários da cultura, convertidos em censores, que desenvolvem intensas campanhas por todo o país, difundindo falsos rumores e acusações caluniosas. Um prestigioso Centro Teórico Cultural novamente vê sabotadas suas instalações e equipamentos por ladrões que não roubam nada e os quais as autoridades não descobrem ou punem. Poetas e ativistas comunitári@s recebem a visita de agentes policiais que os ameaçam com a acusação de “contra-revolucionários” e também de os colocar diante da “ira popular”, demonstrando assim que esta última não é nem popular nem autónoma ante o poder que a dirige.

O dano à propriedade social, a difamação, a coação, além da violência física e psicológica, não são só condenáveis nos códigos penais de todo mundo, incluindo Cuba, como também manifestações de Terrorismo de Estado. Durante décadas a população cubana deu aos seus filhos e ao mundo a sua melhor energia para construir um país mais justo, com cultura, saúde, educação universal e de qualidade, apesar da irracionalidade e descrença de uma burocracia que sempre apresentou as conquistas como êxito próprio. Deixará a História como marcos do processo cubano a repressão e a mentira, no lugar do heroísmo quotidiano das pessoas? Não é justo que seja assim.

Mas para que isto não ocorra temos que afastar, desde a base e à esquerda, o silêncio e a auto-censura que consagram a impunidade, procurando “não fazer o jogo do inimigo”. As pessoas que hoje vêem sua integridade e trabalho ameaçados pelas acções das autoridades cubanas merecem nosso respeito pois as conhecemos de diferentes momentos e situações. Não são, como apresenta a propaganda oficial, mercenários da CIA, porque apenas sobrevivem com míseras rendas, como a maioria do povo cubano. Quando viajam, investem seus escassos recursos na difusão de sua criação humanista e na aquisição de materiais para continuar seu trabalho, por um país mais culto e livre. Quando recebem nossa ajuda (em forma de um DVD, de tintas ou de uma colecção) é o apoio solidário de trabalhadores, trabalhadoras, artistas e estudantes, que em nossos países também enfrentamos políticas neoliberais e autoritárias do capitalismo, estruturadas em Seattle, México DF, Paris, Caracas, São Francisco e Buenos Aires.

Quão longe estão nossos companheiros daqueles burocratas que percorrem comodamente o mundo em Campanhas de Solidariedade, pagas com o dinheiro do povo cubano, e que na primeira oportunidade escapam para Miami e aparecem arrependidos nas televisões como “lutadores da liberdade”! Que diferente de certos intelectuais “amigos de Cuba” que, ingénuos ou atarefados, confundem os ideais da revolução com as políticas do Estado cubano e negam aos companheiros cubanos os mesmos direitos que reclamam (e até desfrutam) nos seus regimes de democracia burguesa! Que superiores, em obra e espírito, daqueles reformistas autorizados que, envernizando com teoria, justificam cada mudança do regime cubano e fazem (pseudo) críticas abstractas sempre vislumbrando a boa vontade do poder!

O único pecado dos nossos companheiros cubanos é ousar pensar (e transformar) a realidade deles sem esperar as promessas do Estado-Pai nem o Canto de Sereia do Capital global. Crêem em uma vida mais plena, em comunidade, onde o livre desenvolvimento de cada um é condição e medida do livre desenvolvimento de todos. Seus diálogos e aprendizados com nossa lutas altermundistas, piqueteiras e zapatistas, têm expandido seus horizontes e nos permitiram também aprender com seu legado histórico de erros e resistências populares. Representam o legado mais vivo e belo da Revolução cubana, que resiste à morte sob o câncer da burocracia. São marxistas, anarquistas, libertários, martianos, humanistas, feministas, ecologistas, comunitaristas… mas, sobre todas as coisas e qualificações, são pessoas decentes, que têm colocado sua vida em risco e a serviço dos demais. Por isso não os deixemos sós.

Sabemos que as forças da dominação são poderosas, que controlam os cacetetes, o ciberespaço, os castigos, os prémios, os amedrontados e os explorados. Mas nós temos a vergonha e a esperança, contra a qual, como demonstram as rebeliões populares e anti-imperialistas de todo o mundo, não há poder despótico que vença. Tomara que exista na mente dos censores e policiais uma lembrança do compromisso original com o povo cubano que os levou ao poder; mas se isto não acontecer, estamos dispostos a lançar a mais poderosa campanha de solidariedade com todos os recursos da legalidade e da opinião pública progressista mundial. Sabemos que os inimigos estão alertas, que eles não tenham a menor dúvida: Nós também.

Por coletivos cubanos, Colectivo El Libertario (Venezuela), Colectivo Actores Sociales (México) e Passa Palavra.

O mural Cuba Colectiva foi realizado por um grande número de artistas, sob a iniciativa do célebre pintor cubano Wifredo Lam, para o Salão de Maio, em 1967.
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