5.6.11

Maratonas em noites de eleições



Enquanto esperamos por mais uma noite eleitoral, retomo o conteúdo de um texto que já publiquei em tempos, porque nem a panóplia tecnológica com que tudo hoje acontece consegue fazer-me esquecer os bastidores das primeiras eleições em democracia, na década de 70. Por motivos profissionais, estive envolvida no apuramento e na divulgação dos resultados das votações e é certamente difícil para as novas gerações imaginarem a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.

Depois da contagem dos votos, os resultados eram introduzidos manualmente duas vezes: primeiro, descentralizadamente (julgo que nas capitais de distrito), em aparelhos de telex, que os faziam chegar a Lisboa. Eram depois reintroduzidos numas outras máquinas que os transmitiam para o computador central do Ministério da Justiça. Tudo isto demorava horas, como é óbvio! 

Nem entro na descrição da complexidade que era programar antecipadamente, de raiz, sem software «pré-fabricado», todas as validações e cálculos necessários para o apuramento. Na noite das eleições, todos os dados eram processados no centro de informática do Ministério da Justiça, de onde os resultados iam sendo transmitidos, exclusivamente, para a RTP e para a Gulbenkian, onde se concentravam VIP’s e jornalistas. Aí eram visionados em sinistros terminais a verde e verde (ainda nem existiam PC’s…) e depois, pelo menos nos primeiros anos, passava-se de novo ao tratamento manual ou à pura oralidade.

Nem sei quantas directas terei feito nestes três locais, mas era na RTP que se viviam as maiores emoções. Parecerá hoje impossível, mas a emissão da noite eleitoral de 25 de Abril de 1975, coordenada por Carlos Cruz, teve início às 19 horas e terminou… às 24 do dia seguinte – durou trinta horas. Não sei exactamente em que ano, Joaquim Letria dirigiu as operações, a partir do Estúdio 2 no Lumiar. Tinha atrás dele, preso a uma cortina, um gráfico de cartão, onde ia deslocando manualmente um ponteiro, à medida que os resultados «iam caindo». O drama que vivi, durante toda essa noite, foi ser obrigada a passar dezenas de vezes por trás da dita cortina, sem tropeçar num colossal emaranhado de cabos espalhados pelo chão, nem tocar na cortina, o que nem sempre era possível. Quando isso acontecia, o gráfico abanava e… os espectadores viam em casa!

Poderia contar dezenas de histórias, mas resumo só mais uma. Por ocasião de umas eleições autárquicas, talvez as primeiras, no dia seguinte à tarde ainda faltavam os votos de uma freguesia do Norte. Localmente, ninguém conseguia encontrar o presidente da respectiva mesa, mas o inesperado veio a acontecer: ele acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo!

Factos como este são hoje puramente anedóticos, mas podem ser úteis para nos apercebermos de que o início desta etapa da nossa história democrática ainda está «à vista» e que trinta e sete são, afinal, bem poucos anos…

(Na foto: Carlos Cruz, RTP, 25 de Abril de 1975)
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