1.9.11

«Para que raio quererá o Ministério das Finanças saber do meu colesterol e dos meus triglicerídeos»


A crónica de Manuel António Pina, hoje publicada no JN, é uma verdadeira pérola, na forma e no conteúdo, para além de tornar ironicamente evidente o desnorte do governo ao anunciar a intenção de criar bases de dados partilhada entre o Serviço Nacional de Saúde e as Finanças, «que contenham “informação relevante” sobre prescrições médicas, realização de meios de diagnóstico e terapêutica, transporte de doentes, identificação de profissionais de saúde e utentes», bem como «informações sobre as condições socioeconómicas e clínicas dos utentes».

Talvez ingenuamente, ainda acredito que o projecto não venha a concretizar-se e que seja respeitado o parecer (não vinculativo) da Comissão Nacional de Protecção de Dados. A Bem da Nação, acreditem: foi demasiado longo e duro o caminho para chegarmos a um Estado de direito para que assistamos à sua destruição.

Alerta laranja

Uma aflitiva dúvida mantém, há dois dias, o meu cérebro em alerta laranja (cor apropriada): para que raio quererá o Ministério das Finanças saber do meu colesterol e dos meus triglicerídeos (e dos seus, leitor) e o Ministério da Saúde saber quanto pagamos pela prestação da casa?

Diz a Comissão Nacional de Protecção de Dados que o que o Governo pretende é "excessivo", "intrusivo" e "compromete o sigilo médico" e fiquei ainda mais intranquilo. De facto, o Governo "passaria a ter acesso (...) ao perfil de saúde dos cidadãos, o que é assustador". E é. Eu (ou você, leitor) confidenciaríamos ao médico que tínhamos uma gonorreia e o médico iria logo (o Governo quer saber tudo "em tempo real") contar aos drs. Paulo Macedo e Vítor Gaspar. E se eles decidissem privatizar (crise obriga) essa preciosa informação, vendendo-a, por exemplo, à nossa seguradora? E se o diagnóstico fosse fatal e o médico decidisse não no-lo dizer imediatamente e o Governo soubesse a triste (ou alegre, sei lá) notícia primeiro que nós?

Não seria mais fácil o Governo mandar o SIS e o SIED porem escutas nos gabinetes de consulta do SNS? Ou então arranjar informadores como o que, em 9 de Junho de 1972, mandou à PIDE/DGS o Relatório n.º 202/72/SC informando que minha mulher tinha "uma doença cancerosa" e que tanto eu como ela éramos "afectos ao regime". Mas mais competentes que esse, pois nem ela felizmente tinha nem nós éramos.
.

0 comments: