@João Abel Manta
Exactamente há 50 anos, o «império português» levou uma grande machadada com a anexação de parte do seu território pela União Indiana. Informação não falta hoje para nos recordar os acontecimentos, em quase todos os meios de comunicação social.
Mas tenho à minha frente o texto do célebre discurso que Salazar fez sobre o assunto na Assembleia Nacional, em 3 de Janeiro de 1962 (lido, relido e por mim sublinhado…), e não resisto a trazê-lo para aqui (*). É um longo elogio ao «pequeno país» que manteve o seu território «com sacrifícios ingentes», ignorados e combatidos por quase todos e, antes de mais, pela ONU, desde sempre objecto de um ódio muito especial do ditador. Não se desse o caso de o texto ser tão longo (24 páginas A5), digitá-lo-ia; assim, ficam algumas passagens.
Desde logo, a primeira frase: «Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontra despojada do estado Português da Índia». Escrever para a História…
«Não sei se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros. E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração que não seja do nosso interesse directo.» Ainda sobre as Nações Unidas, dirá também que «na melhor das hipóteses se encontram antecipadas de séculos em relação ao espírito dos homens e das sociedades», e que há que perguntar se vamos no bom caminho «quando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer».
Mas a cereja em cima do bolo é mesmo a frase trágica e heróica com que o discurso acaba e que, essa sim, é amplamente conhecida: «Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejara morrer com ela.»
Com a releitura de tudo isto, volta a recordação do ambiente tenebroso em que este país viveu durante décadas. Que deixou marcas profundas.
(*) Estava afónico «com as emoções das últimas semanas» e quem o leu, de facto, foi Mário de Figueiredo.
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2 comments:
A propósito do 50º aniversário da ocupação do então chamado Estado da Índia Portuguesa pelas forças da União Indiana fiz hoje à tarde um pequeno "post" no Facebook, onde recordei uma frase do comandante da lancha Afonso de Albuquerque da guarnição de Diu em 1961, o comandante Victor Manuel Pedroso (pai de Maria Flor Pedroso, que de certo modo é um contraponto à de Salazar (a última citada): "Ah! Como está aparvalhado esse país, desossado no pensamento e na acção! Como esse alheamento miserável continua, isso é que me espanta, entristece e faz ter medo". (Até parece que fala sobre muitos de nós, HOJE...).
O livro que referi no "post" é sobre a lancha Sírius, da guarnição de Goa, afundada pelo seu comandante Manuel José Marques da Silva como lhe impunham as regras da Marinha em caso de derrota. Ele foi desonrado e irradiado da Marinha em consequência disso e reintegrado apenas em 1975. Mas a lancha desapareceu para sempre dos registos da Marinha Portuguesa: "nunca existiu"! Isto é tenebroso, apesar de terem passado 37,5 anos após o 25 de Abril!!!
Falta fazer a História deste acontecimento. Recordar como foi achincalhado um homem correcto e vertical como o foi o General Vassalo da Silva, de quem fui amigo tardio (apenas o conheci em 1973/74). E, sobretudo, recordar o sofrimento e a humilhação que sofreram os poucos milhares de militares portugueses que estiveram num campo de concentração, que estiveram perante um pelotão de fusilamento(um amigo meu esteve por três vezes na iminência da morte e ele e os companheiros foram salvos no último momento por intervenção do padre jesuíta Joaquim Ferreira da Silva), que foram ignorados durante meses pelo governo português, que acabaram por ser evacuados a bordo dum navio britânico dormindo nos convés e que, chegados a Lisboa, foram impedidos de se encontrar com os familiares que os aguardavam, tendo sido transferidos para quartéis da província, até que fosse esquecido o episódio da Índia. Como se isso não bastasse, foram humilhados pela população civil, mentalizada pela campanha salazarista, que os apodou de cobardes e de traidores por "não terem defendido o solo pátrio". E a verdade é que nem armas tinham, pois que, com o início da luta armada em Angola, a maioria do armamento tinha sido para ali enviada!...
Foram homens a quem a solidariedade nacional falhou!
Joana, desculpa o erro: eu não sou anónimo, nem uso pseudónimos. O "J" deve ter sido um lapso de digitação apressada. Sou Jorge Conceição, como habitualmente.
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