13.1.12

Trova de um vento que passou


No suplemento Ípsilon do Público de hoje, um longo dossier de sete páginas, coordenado por João Bonifácio, sobre o maiosmo em Portugal durante a última década da ditadura, a propósito do livro de Miguel Cardina recentemente publicado. Inclui muitos testemunhos de ex-maoistas. A comprar e guardar. Para abrir o apetite, parte do primeiro artigo (sem link):

«Entre 1964 e 1974, dezenas de grupos maoistas constituíram-se como alternativa à via ortodoxa da oposição ao regime representada pelo Partido Comunista Português. Desiludidos com as posições do partido de Cunhal em relação à guerra colonial e à Primavera de Praga, animados pelo espírito libertário de Maio de 1968 e pela euforia das infiltrações junto do operariado e do campesinato, muitos portugueses (alguns dos quais hoje com posições de destaque em Portugal e até na Europa, como Durão Barroso) foram maoistas. “Margem de Certa Maneira – O Maoismo em Portugal 1964-1974, de Miguel Cardina, faz finalmente o inventário desses anos.

Clandestinidade, prisão, em alguns casos tortura. Agitação estudantil, infiltração no campesinato e no operariado, mudança radical de vida. Produção constante de textos teóricos. Incitamento à deserção e apoio às lutas na América Latina e às guerras da independência em África. Rejeição da “realpolitik” da União Soviética e um fascínio inabalável pela Revolução Cultural chinesa. É este o retrato da mais fervilhante década de maoismo em Portugal, traçado pelo investigador Miguel Cardina na tese de doutoramento que lhe valeu, em Dezembro do ano passado, o prémio Victor de Sá, que distingue trabalhos de investigação na área da História Contemporânea Portuguesa. Uma tese que acaba de passar a livro, com a edição de “Margem de Certa Maneira, O Maoismo Em Portugal, 1964 a 1974” pela Tinta-da-China.

A existência de grupos maoístas em Portugal não é propriamente um segredo, como o comprova o conhecido passado de algum algumas das mais importantes figuras políticas do país (e já agora da Europa), de Durão Barroso a Garcia Pereira, passando por José Pacheco Pereira e João Carlos Espada (o Ípsilon tentou falar com ambos, mas não responderam aos nossos telefonemas), ministros como Nuno Crato e investigadores como Fernando Rosas. O próprio Pacheco Pereira já havia escrito sobre a época, em “O um dividiu-se em dois”, obra que enquadra os “movimentos próchineses e albaneses nos países ocidentais e em Portugal (1960-1965)”. Ainda assim, “Margem de Certa Maneira” é pioneiro: nunca antes tinha sido tão sistematicamente estudada a profusão destes agrupamentos. É também um retrato da ebulição que se vivia em Portugal na década de 1960, e da necessidade de mudança que se apossou dos jovens, levados à clandestinidade e, em muitos casos, a mudanças de identidade.

Se, numa primeira fase, o maoismo português se reduzia a apenas duas organizações de ex-comunistas, num segundo tempo, tempo influenciado pelo Maio de 68 e pela Revolução Cultural, captou cada vez mais estudantes e gente que nunca tinha estado filiada no Partido Comunista Português (PCP), assistindo-se então a uma explosão de agrupamentos. Olhando para o mapa incluído no livro, são literalmente à às dezenas.»
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2 comments:

Septuagenário disse...

Eram uns entusiasmos interessantes.

É caso para dizer tudo murchou com a revolução dos cravos.

Ficamos sem saber se era mesmo maoismo genuino ou apena anti-salazarismo.

Ou seja, poderia haver uma doutrina política que não vem nos livros: antisalazarismo.

Só em Portugal, como os pasteis de Belem.

Anónimo disse...

Vivi esse periodo com intensidade. Como filho de camponês tinha dificuldade, num ambiente de aldeia das Beiras em fazer passar a mensagem. Então era maoista (ML) na cidade e simplesmente de esquerda na aldeia. Lindos tempos!