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Na sua coluna semanal no Público, que desta vez incidiu sobre O Dia do Estudante de 1962, António Correia de Campos inseriu este comentário sobre a actuação das forças policiais no passado dia 22 de Março, estabelecendo o paralelo entre a actuação das mesmas agora e há cinquenta anos.
Há quem considere esta comparação, que outros já fizeram, inadequada pelo simples facto de vivermos hoje em democracia. Como se esta estivesse adquirida para todo o sempre pelo simples facto de termos eleições livres e não estivesse em perigo quando aqueles que têm por missão defendê-la abusam desmedidamente da força que lhes é confiada.
Independentemente da cronologia na sequência das agressões (e sobre isso já escrevi), nada justifica a realidade reflectida em afirmações como a seguinte, que não me canso de citar: «Quando dão a ordem para avançar, é quase impossível travar-nos, já não ouvimos ninguém, deixa de haver uma linha de pensamento, e a questão de serem fotojornalistas ou cidadãos nem se nos coloca naquele momento: a nossa função é limpar o local.»
Foi o que fizeram na passada 5ª-feira. E é por isso que não tenho medo de uma acção armada de Otelo, que não acontecerá. Mas tenho medo deste governo e da polícia do meu país.
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5 comments:
É verdade isto de que os agentes do CI "desligam o cérebro" quando começam a bater; de certa forma, mostra que são humanos: é mais fácil manter a sanidade se não pensarmos no que estamos a fazer... Percebi esta característica da actuação do CI há muitos anos (o PM era ainda o Cavaco), quando o CI "varreu" a manifestação de agentes da PSP do Terreiro do Paço: os manifestantes eram facilmente identificáveis (99% estavam fardados...), mas quando o CI avançou, correu tudo à bastonada — incluindo os passageiros que tinham acabado de sair dos cacilheiros. Foi então que percebi.
Também há quem considere a comparação inadequada, não pelo facto de agora vivermos em democracia, mas pelo facto de há 50 anos vivermos em ditadura.
O que pode parecer uma mera translacção do eixo do tempo que não altera a relação de semelhança entre as duas situações, mas é mais do que isso.
A quem tem memória da ditadura (uma minoria, e decrescente no tempo), a comparação sugere que a (ou esta, como alguns gostam de dizer, como se ela não fosse bem uma) democracia é tão má como a ditadura (o fascismo, no caso). A quem não tem (uma maioria, e crescente no tempo), a comparação sugere que a ditadura não era pior que a (ou esta) democracia. Mesmo que pareçam diferentes as duas proposições são completamente equivalentes.
Há quem considere lamentável que quem tem memória da ditadura faça essa pedagogia, que, quer queira, quer não, resulta no branqueamento da ditadura, junto de quem não tem.
Quem o faz, pode fazê-lo por uma de duas razões: ou porque acredita mesmo na comparação, ou porque, tendo noção que ela é exagerada, a usa por razões táticas, pensando desgastar a credibilidade da (desta) democracia na esperança de que algo de diferente a acabe por substituir.
Com os que acreditam que a (esta) democracia está próxima de uma ditadura estou em desacordo, mas não cabe aqui discuti-lo. Com os que o fazem por razões táticas, na esperança de contribuir para a sua substituição por algo diferente, uma de duas: ou são de esquerda, ou de direita. E ser uma coisa ou outra faz diferença, porque, se o desgaste da (desta) democracia chegar a contribuir para desencadear uma mudança, não será para algo (ia dizer uma ditadura, mas também não insisto para não bloquear a discussão à volta do termo) de esquerda, mas para algo (uma ditadura) de direita. O que faz dos taticistas de direita manhosos e dos de esquerda ingénuos. De má-fé, os taticistas de ambos os lados.
Manuel,
Devias conhecer-me o suficiente para nem pores a hipótese de que o que me move ser tacticismo. Mas também já esqueci há muito a moral da história do Capuchinho Vermelho e do medo do lobo mau. Parece ser o contrário contigo…
Ninguém disse aqui (nem o C. de Campos que cito, nem as mais de 400 pessoas que aprovaram uma Moção na Cantina há uns dias, nem eu) que ditadura e a democracia que temos se equivalem. Mas não há que branquear a actualidade em nome do passado porque memória também é isso, para os novos e para os mais velhos. E é precisamente por causa desse passado que aqueles que contra ele lutaram têm muito mais consciência dos perigos do presente.
O que Correia de Campos sugere é que as ameaças à democracia vêm de um poder policial descontrolado e não dos contestatários à ordem estabelecida. Penso que é disso que se trata: ver donde vêm as ameaças, não de comparar regimes. Só posso concordar com ele. Os polícias não estão ao nível de manifestantes desarmados. Os polícias são formados, armados e pagos pelo Estado para resistir a provocações. A frase transcrita pode justificar o comportamento de um hooligan, não de um polícia. Apoiar o comportamento da polícia neste caso é abrir portas a uma deriva autoritária do Estado de Direito.
Só posso concordar com Correia de Campos. Ele não compara regimes, compara actuações de polícias. A frase transcrita pode justificar o comportamento de um hooligan, não de um polícia. Os polícias são formados, armados e pagos pelo Estado para resistir a provocações. Não estão ao nível de manifestantes desarmados. Os manifestantes podem estar bêbados, ainda não chegámos a um ponto da bebedeira ser proibida em Portugal. Os polícias não podem. Apoiar a actuação policial é abrir portas a uma deriva autoritária do Estado de Direito.
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