20.3.12

Revisitar o passado



(Jorge Sampaio e Medeiros Ferreira recordam, na varanda da Reitoria, o dia em que convenceram Marcello Caetano a deslocar-se à mesma para falar aos estudantes, em 1962.) 

Há cerca de uma semana, o Expresso convidou um grupo de protagonistas da Crise Académica de 1962 para recordarem os respectivos acontecimentos, percorrendo os diversos locais relacionados com os mesmos: da Cantina Universitária a um quartel da Parede, passando pela Reitoria, pelo Estádio Universitário, pelo Governo Civil e por Caxias.

O jornal começou agora a publicar o que se passou, com a divulgação de algumas entrevistas – hoje a António Ribeiro (filho do mítico professor Orlando Ribeiro) e a Medeiros Ferreira – e incluirá, no próximo Sábado, uma longa reportagem.



Foi uma iniciativa interessante por parte do Expresso e gratificante para quem nela participou. Fiz parte do grupo e irei comentando alguns episódios, mas quero, desde já, precisar o seguinte: a minha participação na Crise de 1962 foi puramente tangencial porque eu era então estudante em Lovaina e não em Portugal. Por puro acaso, estive umas semanas em Lisboa, o que me permitiu viver a primeira fase da luta. (Mais tarde, quando se deu o episódio da greve da fome e da prisão dos estudantes, no início de Maio, tinha já regressado à Bélgica.)

Para além de assistir a horas e horas de plenários, tive uma «missão» curiosa. Era amiga pessoal dos professores Lindley Cintra e Maria de Lourdes Belchior, dois dos poucos que estiveram sempre do lado dos estudantes, e eles pediram-me que fizesse algumas acções de pequena «espionagem», como, por exemplo, ver se a polícia já tinha encerrado a Cantina numa determinada noite, julgo que na véspera do projectado Dia do Estudante. Não tinha, fê-lo logo a seguir a eu ter sido a última pessoa que lá jantou – vi-a chegar. LC e MLB esperavam-me num carro escondido nas matas próximas, temia-se que fossem presos nessa noite e Lindley Cintra convenceu a Mª de Lourdes a não ir para casa mas sim a «refugiar-se» algures perto de Bucelas. (Inimaginável? Mas era assim...) Para lá fui com ela e de lá vinha, todas as manhãs, para a Cidade Universitária. E ia sabendo as notícias do lado dos professores e transmitindo-lhes o que se passava na rua.

Embora «protagonista» puramente secundária, faço a tal ponto parte daquela geração, e daquela época, que passei, desde há muito, a membro integrante e permanente de um grupo que se reúne pelo menos uma vez por ano (com grande prazer e a maior das honras, devo dizê-lo). E, por isso mesmo, falo agora quase todos os dias deste 50º aniversário.

Os mais novos entenderão dificilmente, julgo, a importância existencial destas realidades para quem as viveu. Mas que tudo isto se tenha passado há 50 anos, isso, sim, é que parece irreal!
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