Vale a pena ler a crónica de Clara Ferreira Alves, na Revista do Expresso de hoje (sem link), a propósito das eleições em França e, sobretudo, na Grécia.
Alguns excertos e o texto na íntegra.
«Há aí alguém a celebrar a vitória de M. Hollande? (…) Falo para os que acreditam que a Europa precisa de contrariar a depressão e o suicídio lento com comprimidos para dormir em doses não mortais, até o bom povo da Europa ficar reduzido a zombie. Se
existir um bom povo da Europa. A avaliar pelos resultados eleitorais, existe
esse mau povo da Europa que gosta de saudações, suásticas, fardas, ordens e
extermínio. (…)
O medo vende. O medo das bombas em aviões vende mais do que o medo da austeridade, embora a austeridade seja a política do terror (o que vos vai acontecer se não fizerem o que vos digo, na eterna ordem alemã) e as consequências da austeridade façam mais vítimas que uma bomba num avião. (…) Daqui, deste lugar onde me encontro, Atenas, posso ver com clareza os resultados da austeridade e não estou tranquila. Em duas palavras: não funciona. E não funciona porque não há dinheiro e o povo está zangado. Não funciona porque ao contrário do que diz o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, a Grécia não vai, por milagre, tornar-se mais competitiva nem mais produtiva, apoiando-se nas pequenas e médias empresas (onde é que já ouvi isto?).»
Na íntegra:
Há aí alguém a celebrar a vitória de M. Hollande? Não falo para os saudosos da ‘exuberante’ personalidade de M. Sarkozy (que se tornou, na derrota, não o mau Presidente que foi mas um homem que cometeu o pecado de ser extrovertido e gostar de milionários e top models). Falo para os que acreditam que a Europa precisa de contrariar a depressão e o suicídio lento com comprimidos para dormir em doses não mortais, até o bom povo da Europa ficar reduzido a zombie. Se existir um bom povo da Europa. A avaliar pelos resultados eleitorais, existe esse mau povo da Europa que gosta de saudações, suásticas, fardas, ordens e extermínio. E do dr. Strangelove.
Ao contrário dos rapazes da Kristallnacht, estes novos nazis não vão buscar o voto aos jovens mas a gerações atormentadas pela crise, perseguidas pela idade e a revolução tecnológica, despojadas dos direitos e da visibilidade. Velhos, reformados e desempregados sem representação nem voz. A minoria sem ideologia. Gente que pagou impostos e descontou para a Segurança Social e acreditou na política como resolução dos problemas, e agora vê a pensão retalhada, os filhos desempregados, os netos emigrados. Há os que esperam a morte num antigo bairro de uma cidade europeia rodeados de imigrantes cujos modos desconhecem e dos quais desconfiam porque as notícias que retiram a crise dos noticiários são notícias sobre terroristas. Imaginem um velho em França, ou na Holanda, que vive na periferia por baixo de uma família marroquina com muitos filhos a correr dentro da cabeça dele.
Esta semana descobriram que um tipo no Iémen faz bombas de material não metálico indetectável e explosivamente perigoso, e imediatamente as eleições gregas e francesas saíram dos ecrãs. O medo vende. O medo das bombas em aviões vende mais do que o medo da austeridade, embora a austeridade seja a política do terror (o que vos vai acontecer se não fizerem o que vos digo, na eterna ordem alemã) e as consequências da austeridade façam mais vítimas que uma bomba num avião. E a política do medo é uma política que faz asneiras e provoca danos nas comunidades humanas. A política do medo e da privação faz crescer os senhores do medo e do rancor, vulgo os extremistas. Todos os extremistas, os Bin Ladens e os amantes de Hitler. Os religiosos e os ideólogos. Os criminosos e os patetas.
Daqui, deste lugar onde me encontro, Atenas, posso ver com clareza os resultados da austeridade e não estou tranquila. Em duas palavras: não funciona. E não funciona porque não há dinheiro e o povo está zangado. Não funciona porque ao contrário do que diz o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, a Grécia não vai, por milagre, tornar-se mais competitiva nem mais produtiva, apoiando-se nas pequenas e médias empresas (onde é que já ouvi isto?). Ele falava com Christiane Amanpour e eu, daqui, de Atenas, podia desatar a rir. Ou a chorar. O que a austeridade está a fazer à Grécia é o que está a fazer a Portugal, destruir toda a hipótese de recuperação.
A Grécia é uma distopia, só a polícia (e os militares) parece funcionar bem e com bom equipamento. Polícias podem ser alugados por preço módico, uma forma de privatização. O resto é raiva. O dinheiro vinha da marinha mercante e do turismo. O dinheiro está offshore. Os turistas fugiram. As manufacturas e a agricultura não existem. A Grécia não é a Turquia. A Grécia só pode ficar competitiva desvalorizando a moeda. A Alemanha quer desvalorizar através de cortes e impostos. Com os cortes, a hemorragia dos bancos, a falta de crédito, a instabilidade e corrupção dos políticos e o desespero e reprovação dos eleitores, a Grécia não tem dinheiro para viver. O euro é demasiado caro. Os preços são iguais aos alemães e o dinheiro é uma fracção do alemão. Não estica. Sem os fundos e tranches, rebenta. E nós, portugueses, seremos sugados por esta política suicidária. Não é preciso ser Paul Krugman para perceber.
Na terra da Acrópole o monumento é agora uma árvore com mensagens pregadas, coroas de flores secas e velas. A árvore do suicida. O lugar onde um reformado com 77 anos, doente e sem dinheiro para medicamentos, um farmacêutico para tornar a coisa irónica, deu um tiro nos miolos e deixou uma nota a dizer que se fosse mais novo pegava numa Kalashnikov e disparava sobre os políticos. Ou votava nos nazis. Chrysi Avgi. Enfiaram 21 deputados no Parlamento do “berço da democracia”. E olhem para a França. E para a Holanda. Na primeira conferência de imprensa em Atenas, antes da entrada do glorioso líder desta gente, o sr. Nikos Mihaloliakos, os guardadores ordenaram aos jornalistas que se levantassem em sinal de respeito. E os colegas, respeitosamente, levantaram os rabos dos assentos, com excepção de um que foi posto fora da sala. Não estou para celebrações.
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