25.8.12

Más previsões



Na sua coluna de hoje no DN, Anselmo Borges refere uma conversa tida no Vaticano, em 1962, durante a preparação do Concílio Vaticano II, na qual o cardeal Alfredo Ottaviani, assustado com os ventos «revolucionários» que se aproximavam, teria murmurado: «Peço a Deus que me chame antes de acabar o Concílio; assim estarei seguro de que morro como católico».

Ottaviani será um nome que só para alguns fará tocar campainhas, mas era então, sem dúvida, o líder do conservadorismo no Vaticano, sinistro inquisidor do Santo Ofício. Entre muitas outras funções, tinha a responsabilidade de manter actualizado o Índex de Livros Proibidos

Morreu muitos anos depois de o Concílio acabar, sossegadamente como católico. Enquanto muitos outros iriam sobreviver, também sossegadamente mas como não católicos, precisamente «por causa» do Concílio ─ porque este falhou. 
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8 comments:

Septuagenário disse...

Como sabemos se o cardeal morreu como "católico"?

Só sabe quem lhe deu a extrema-unção.

J. Duque disse...

Joana:
Só agora me foi possível comentar o seu “post” sobre ao Concilio Vaticano II e o seu “fracasso” (em quê, exactamente ???).

Como sabe, comemoram-se neste ano de 2012 os cinquenta anos do inicio desse importante acontecimento eclesial (e sócio-cultural) , pois foi em Outubro de 1962 que o Papa João XXIII presidiu , na Basílica de S. Pedro, à abertura do dito Concilio (encerrado, três anos mais tarde, em Dezembro de 1965, pelo seu sucessor, o Papa Paulo VI)

É provável que ao longo deste ano saiam vários livros sobre o tema, algumas memórias de bispos que nele participaram (embora o contributo dos portugueses tenha sido insignificante, o que todos os historiadores dizem).
Na Comunicação Social, receio bem que os jornalistas afinem todos pelo mesmo diapasão , e que venham glosar até à exaustão o mote do “Concilio-oportunidade-perdida—para-a-renovação-da-reaccionária-Igreja-Católica-concílio-esse-cujas-premissas-foram-traídas-nos-anos-subsequentes-pelos-Papas-e-pelo-aparelho eclesiástico”).


Basicamente, julgo que há quatro teses interpretativas sobre o Concilio Vaticano II, e começo por apresentá-las, da Esquerda para à Direita (usando uma linguagem politica, que também pode ser eclesial... embora se trate de uma simplificação algo abusiva):

1) Tese dos Progressistas radicais (os que ainda estão - mais ou menos - dentro da Igreja):
 “O Concilio foi apenas uma mudança cosmética e superficial numa Igreja irreformável, autoritária, patriarcal, e misógina; deveria ter ido muito mais longe (abolição do celibato sacerdotal , ordenação de mulheres, reconhecimento dos anticonceptivos, do divorcio, regime parlamentar na Igreja, - e toda uma agenda progressista radical tipo BE, muito anos 60-70) - mas não foi, e daí o seu fracasso”.




2) Tese dos Progressistas moderados:
 “O espírito do Concilio foi travado pela reacção neoconservadora de João Paulo II e da Cúria romana e de movimentos conservadores (Opus Dei, Comunhão e Libertação, etc. ), mas virá um dia um novo João XXIII e será retomado”;
 “Estamos a atravessar um Inverno, um parêntesis, mas virá uma nova Primavera da Igreja”.



3) Tese dos Conservadores moderados (Bento XVI, e também linha actual da Igreja, pelo menos desde 1978):
 “O Concilio foi bom e inspirado pelo Espírito Santo, mas os progressistas e modernistas deturparam o sentido dos documentos conciliares e daí a crise pós- conciliar. É preciso ler o Concilio à luz da tradição da Igreja, que começou há dois mil anos com Jesus Cristo e não em 1962.
 Na Igreja há espaço para reformas, mas nunca para revoluções (cortes abruptos com o passado)”;
 ”Temos que descobrir o verdadeiro Concilio Vaticano II e não a caricatura que os progressistas radicais dos anos 60-70 quiseram veicular e que foi a verdadeira causa da crise”


4) Tese dos Conservadores radicais (Integristas de Mons. Lefebvre e similares):
 “O Concilio foi a vitoria dos hereges “modernistas” sobre a verdadeira Tradição católica, apoiados por dois Papas de ortodoxia duvidosa (João XXIII e Paulo VI) e o resultado foi uma enorme crise da Fé católica, da Moral, de vocações, que infectou a Igreja até aos dias de hoje”;
 “Só um milagre é que salvará a Igreja da sua decomposição às mãos dos modernistas/progressistas”;
 “Bento XVI é apenas um gestor moderado e não um verdadeiro restaurador da Tradição”.

J. Duque disse...

Haveria também uma quinta tese, mais e laica e “sociológica”, que se poderia formular mais ou menos da seguinte maneira:

1. Nos anos 60 produziu-se, no mundo ocidental, uma revolução cultural e de mentalidades, que se caracterizou pela contestação geral de qualquer tipo de Autoridade (do Estado, da família, no Exército, na Universidade, na Igreja); à separação definitiva do sexo e da reprodução (invenção e comercialização da pílula); à entrada maciça e definitiva das mulheres (de todos os estratos sociais) no mercado de trabalho e à sua autonomia sexual e financeira; por um ideal simultaneamente Individualista e Colectivista (movimentos sociais, como os Hippies, etc.), pelo trunfo de uma Contra-Cultura baseada na exaltação do momento, do instante, do prazer momentâneo (Musica, sexo casual , droga, “happenings”); pela ascensão de uma sociedade de abundância, depois da penúria do Pós-guerra ( apogeu dos “Trinta Gloriosos”, de Jean Fourastié, antes da crise petrolífera de 1973); pela consolidação das classes medias neste capitalismo “civilizado” e social-democratizado, governado alternadamente pelos Socialistas e pelos Conservadores democratas-cristãos.

2. Esta revolução usou ainda uma linguagem marxista, dado o “zeitgeist” dominante na Europa Ocidental do Pós-Guerra, em que um marxismo difuso dominava as ciências humanas, e até o jornalismo: mas na sua essência, era libertária-individualista.

3. Nos anos 70-80, aquando o Marxismo perder a aura que o envolvia há décadas como horizonte utópico da Historia humana (graças às revelações de Soljenitsine sobre o Gulag soviético, o genoidio do Cambodja, a revelação das atrocidades do Maoismo depois da morte de Mao em 1976,os “Nouveaux Philosophes” parisienses que desmarxizaram a intelectualidade francesa e europeia), o que ficou de todo este vasto movimento foi a ideia de uma autonomia do Individuo em todas as esferas; assim, da comuna “hippie” ou da célula maoista ou trotskista dos anos 60 para o escritório “chic” dos arrogantes e sôfregos “Yuppies” neoliberais dos anos 80, há mutação mas não ruptura;

4. Uma instituição conservadora, como é a Igreja Católica tentou uma conjunto de reformas e adaptações ao mundo contemporâneo num período de grande turbulência , como foram os anos 60; ora era impossível não ser envolvida pelos “ventos “ que então sopravam; a isto há ainda a acrescentar a celebre frase de Tocqueville que o pior momento para um sistema “autoritário” (sem sentido pejorativo, referia-se à Monarquia de Luís XVI) é quando decide enveredar pelo caminho das reformas;

5. Os ventos desta “revolução cultural” (muito mais profunda que a chinesa de Mao Tse Tung, embora com muitíssimos menos mortos...) entraram na Igreja católica através das janelas abertas pelo Concilio, Igreja católica essa que era “quase” um vaso hermético desde pelo menos, o pontificado ultramontano de Pio IX (meados do século XIX), e o resultado foi não tanto a renovação ou um novo impulso (como desejavam o “bom Papa João” e numerosos católicos de boa vontade…) mas sim a confusão, o caos instalado, as crises de consciência de numerosos padres e fieis, a quebra das vocações religiosas, a sedução pelas ideologias revolucionarias por parte do “Progressismo católico” (mais de um século depois dos Socialismos utópicos de 1830-1848 que ainda sonhavam com a síntese Cristianismo/Socialismo !!!), a contestação da autoridade do Papa (o celebre episódio da encíclica “Humanae Vitae”, de 1968, contestada em todo o mundo, até por alguns bispos e teólogos), o desanimo e desagregação de numerosos movimentos eclesiais, o decréscimo do numero de praticantes, o esvaziar dos seminários e toda uma decadência/crise eclesial que persiste, com muito mal-estar interno , mesmo após os movimentos “rectificativos” de João Paulo II e Bento XVI.

J. Duque disse...

(cont.)


6. O movimento de secularização, iniciado em meados do século XVIII, prosseguiu ao longo dos últimos dois seculos, com fases alternadas de avanço rápido e de “slow motion”; nos anos 60-70, toda esta revolução cultural produziu uma aceleração acentuada deste processo, que reduziu a Igreja Católica, nos países europeus (o resto do Mundo: América Latina, Africa, Asia é um caso a analisar à parte) a uma sombra do que foi. Ainda assim, resistiu melhor que as Igrejas anglicanas (Grã-Bretanha) e luteranas (países escandinavos), muito mais permeáveis ao “ar do tempo”, mas que curiosamente (ou talvez mesmo por causa disso), conheceram um declínio muito mais acentuado.

Joana Lopes disse...

J. Duque,

Muitíssimo obrigada pelo seu comentário (é muito mais do que isso...), a que procurarei responder (não hoje mas espero que amanhã).

Trata-se de uma questão que vivi completamente por dentro, sobre a qual escrevi e ainda há poucos meses participei neste evento, já inscrito no 50º aniversário do Concílio, e no qual a questão do seu «falhanço», ou não, foi abordada nomeadamente pelo Frei Bento e pelo Frei Mateus.

Até breve, então.

Joana Lopes disse...

J. Duque,

Li tudo atentamente e começo por um ponto prévio. Nas suas categorias iniciais, falta uma, na qual me incluo: a do batalhão de pessoas, a nível mundial, que já há muito não estão na Igreja, nem como «progressistas radicais», e que a deixaram precisamente, em parte, desiludidas quanto ao que esperaram do Vaticano II que viveram intensamente. O que diz na categoria 1. aplica-se-lhes mas é insuficiente.

Restringindo a Portugal, sabe certamente, o comprometimento que um grupo específico de padres e de leigos teve, desde a primeira hora, com uma reflexão profunda, inclusive a nível teológico. Refiro-me especificamente à revista «Concilium» e a tudo o que em redor dela aconteceu. Estão online um texto do Frei Mateus, e outro meu, tirados de uma obra sobre a Editora Moraes.

Num livro que publiquei há 5 anos, com o título deste blogue, a problemática do Concílio e das suas repercussões na acção dos chamados católicos progressistas é um, ou mesmo o, assunto fulcral, em torno do qual gira quase tudo. Julgo que poderá perceber o essencial do que penso, muitíssimo resumidamente, neste texto, escrito a propósito de uma discussão marginal.

Sempre à disposição.

J. Duque disse...

Joana:
O meu texto, admito, era um pouco ambicioso, tratava do Concilio Vaticano II em geral e das suas repercussões /reacções em todo o mundo (e da sua interacção com o movimento da Sociedade ocidental, então em plena convulsão), mas podemos perfeitamente abordar em futuros “posts” a realidade portuguesa, conversa que vai sempre ter ao famoso movimento dos “católicos progressistas”- movimento ao qual a Joana Lopes esteve então ligada, como é sabido.

Penso que o caso português foi agravado pelo facto dramático do país viver em ditadura, pela Guerra Colonial, e todas as circunstancias que você bem conhece – e que terá talvez contribuído para a radicalização à Esquerda de um bom numero dos nossos católicos progressistas, radicalização essa que foi desde ao abandono da Igreja até à militância (antes e depois do 25 de Abril) em partidos/movimentos de esquerda revolucionaria, espécie de sucedâneo laico da Igreja “corrompida” e “esclerosada” que os tinha desiludido. Mas mesmo em países democráticos, como a França e a Itália, essa radicalização se deu…

Não li o seu livro (mas vou procura-lo brevemente nas livrarias), mas li a “Peregrinação Interior” do Alçada Baptista e “Nós, os vencidos do Catolicismo” (titulo baseado no celebre poema do Ruy Belo) do João Bénard da Costa- duas obras que retratam bem a geração dos “católicos progressistas” portugueses dos anos 60 (embora pareça que Alçada e Bénard pertenciam à facção “moderada” e não à “radical” do movimento, que foi mais heterogéneo do que habitualmente se julga).

Sempre ao seu dispor para uma troca civilizada de ideias,

João Duque

Bernardo Motta disse...

Cara Joana Lopes e caro João Duque,

Acompanhei com gosto a vossa troca de comentários, e só peço que continuem o debate.

O motivo da minha intervenção é este: também eu estive presente no evento que a Joana refere, ocorrido a 2 de Abril de 2011, no Convento de São Domingos, em Lisboa.

Fruto dessa minha experiência, escrevi este texto poucos dias depois:

http://espectadores.blogspot.pt/2011/04/nos-somos-igreja-relato-de-um-confronto.html

Como se pode verificar pelo texto, não deixei de interpelar verbalmente as pessoas presentes no painel, e de expor os meus argumentos e as minhas razões.

Na expectativa de que possam achar algum valor ao meu testemunho desse evento, despeço-me, aguardando o prosseguimento deste vosso interessante debate.

Cumprimentos,

Bernardo Motta