25.8.12

RSI e trabalho à força



Os dois últimos dias foram tão férteis em notícias estrondosas, relacionadas com a derrapagem orçamental e com o futuro da RTP, que uma outra passou para segundo plano: a aprovação, pelo governo, de um diploma que decreta a obrigatoriedade de exercício de «actividade socialmente útil» por parte dos beneficiários do RSI.

Estes já estavam sujeitos à aceitação de «programas ocupacionais», remunerados e a tempo inteiro, mas o que vai agora entrar em vigor é diferente: quem for chamado trabalhará 15 ou menos horas por semana (num máximo de 6 horas por dia), distribuídas por 3 ou menos dias. E não receberá nem um cêntimo. Estima-se que serão atingidas pelo menos 50.000 pessoas ( depois de excluídas todas as excepções previstas) e quem recusar o que lhe é pedido deixa de receber o RSI. O que farão estas pessoas? «Limpeza de espaços exteriores (jardins), colaboração na conservação e reparação em pequenas obras nas instituições sociais, ajuda na realização de eventos culturais, desportivos ou recreativos, apoio às redes de bibliotecas, arquivos ou museus municipais», em IPSS ou em instituições do Estado. 

O ministro Mota Soares esclarece que «as tarefas a desempenhar não podem integrar o conteúdo funcional dos lugares previstos para o quadro de pessoal» e que «são actividades de natureza pontual ou caracterizadas pela sazonalidade».

Duas observações:

- A ausência de remuneração é um precedente péssimo e perigoso, mesmo que se evitem grandes expressões como «escravatura». «Outros vão beneficiar do seu esforço e trabalho», precisa Elísio Estanque, e estamos portanto a falar de «trabalho forçado», o que levanta questões de legitimidade e até de constitucionalidade. Mais, segundo me parece: trata-se de uma espécie de «castigo» imposto pelo patrão Estado, na linha de «vai trabalhar mandrião!».

- Os exemplos de actividades apontados são habitualmente exercidos pro bono? Se eu quiser que alguém me vá limpar um jardim, durante 15 horas por semana, isto não é trabalho remunerável? Organizar um arquivo municipal não deve ser feito por quem esteja a procurar um emprego, mesmo que a tempo parcial, nesse domínio? Não é mais do que garantido que estas pessoas vão mesmo fazer tarefas que outros podiam realizar recebendo um salário? Ainda por cima, uma entidade «requisitadora» pode pedir tantos beneficiários de RSI quanto entender. No limite, um batalhão de jardineiros, pedreiros ou similares.

Tudo normal? Nem no Camboja!
.

1 comments:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Trata-se de punir os pobres, ao melhor estilo vitoriano. Mesmo numa conjuntura de pleno emprego seria moralmente intolerável. Numa conjuntura de desemprego é além disso irracional.