28.10.12

Adeus, Francisco José


O cineasta Luís Filipe Rocha dirige hoje, no Público (sem link), uma implacável carta aberta ao ex-secretário de Estado da Cultura. E não é só FJV e este governo que estão em causa, mas toda a política de cultura (ou a falta dela) também nos executivos anteriores. 

 «Caro Francisco José Viegas, acreditando nas notícias publicadas, desejo-lhe as melhoras. 

Nunca percebi como é que um escritor pode aceitar ser secretário da cultura de um Governo como o que temos. Como é que um escritor se pode sujeitar a um tão triste papel, a uma tão melancólica e insignificante sinecura? Por amor ao carro preto e aos estofos de couro? Por cupidez pelo estatal cartãozito de crédito? Por inebriamento com as alfombras da corte? Pela viagrice bimba que se diz que o poder provoca? Pelo arranjinho futuro? Por vaidade paroquial e familiar? Por vingança? Ingenuidade? Lirismo? Humor negro? Fidelidade amiguita? Nunca percebi. Não sei se um português tão suave como você escreverá algum dia memórias, mas, se tal acontecer, peço-lhe, por favor, que explique aos seus leitores por que aceitou ser secretário da Cultura de um Governo destes. 

É verdade que os dois Governos anteriores a este de que você fez parte desconsideraram a Cultura como nenhum outro Governo o havia feito em democracia. Até ao patetismo extraordinário de o ex-primeiro-ministro reconhecer publicamente, entre mandatos e em campanha eleitoral, que se tinha borrifado de alto para a cultura durante o mandato inteiro, mas que ia emendar-se. Em quase 40 anos de vida democrática não me recordo de algum outro Governo que tanto tenha desprezado e ostracizado a cultura como os dois Governos do senhor engenheiro Sócrates. Os seus três “ministros da cultura” foram os mais irrelevantes e nulos de todos os que conheci desde 1976. Ninguém deu por eles, para além das famílias e dos amigos, e, infelizmente, daqueles agentes e criadores culturais que desde 2005 começaram a sentir a negligência, o desinteresse e a grosseira ignorância a abaterem-se inexoravelmente sobre eles. 

Mas exactamente por esse lastro dos Governos anteriores e pela composição e ideário do novo Governo, não era previsível para todos que a cultura iria ser ainda mais destratada? Não era evidente, com este Governo, a assumida intenção de menosprezar de vez e, se possível, para valer, a cultura e os seus agentes e criadores? Não era óbvio o desdém ideológico e maninho, por isso mesmo fatal, ao despromovê-la e subordiná-la a este primeiro-ministro? 

Para desfrutar de um ano e tal de mordomias e regalias pacóvias (e precárias...) você teve de colocar mais uns valentes tijolos no túmulo da nossa vida cultural, que tão pifiamente os Governos anteriores começaram a cavar, e de ficar, no pedestal da nossa pindérica iconografia governamental, ao lado dos irrelevante e nulos seus antecessores. Com uma pequena mas não despicienda agravante: mais do que eles, você teve de prometer impossíveis, de desfazer possíveis, de disfarçar, de sorrir seraficamente e de dizer adeus de longe. 

Adeus, Francisco José, até sempre, que, apesar dos Governos, o país dura, e dura, e dura... Votos de melhor saúde e de longa vida.» 
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5 comments:

Dias disse...

Uma carta acutilante…ao escritor colaborante do regime dos pobres de espírito.
(Ele é escritor ou “cantor”?)

Anónimo disse...

o artigo e nojento e define o autor de forma acutilante.

mjm disse...

quem não quer ser lobo, não veste a pele!

luis reis disse...

O artigo é certeiro.Nojento são aqueles que escrevem sob a capa do anonomato.Lobo Antunes é que o define bem.Todos podem "escrever", ser romançista é outra coisa...

Vicente Vivaldo Fino disse...

"Romançista"??!! Assim, a escrever desta maneira, é que não chega a romancista, com certeza...