23.11.12

E pronto: mais uma arguida



Soube-se hoje publicamente que, no passado dia 8 de Novembro, Mariana Avelãs foi constituída arguida, com Termo de Identidade e Residência, «pelo "crime" de organização de manifestação não comunicada».

Segundo comunicado dos organizadores do 15 de Setembro (que abaixo transcrevo), «a suposta manifestação terá, segundo a denúncia policial, ocorrido no dia 12 de Setembro, e mais não foi do que a conferência de imprensa de divulgação da manifestação de 15 de Setembro - em que 15 pessoas seguraram uma faixa em frente da Assembleia da República enquanto falavam com os jornalistas, sem qualquer incidente ou impacto na ordem pública».

O estado da nossa democracia «melhora» de dia para dia. Como o estado do país, aliás.

Organizadora da Manifestação de 15 de Setembro Constituída Arguida

No dia 14 de novembro, na sequência de uma manifestação amplamente participada, convocada pela CGTP, e à qual aderiram os mais diversos setores e movimentos, o país assistiu, em direto, a dois incidentes distintos: um grupo de pessoas a arremessar pedras e outros objetos ao corpo de intervenção da polícia, que não reagiu; e uma carga policial violentíssima, que, longe de travar quaisquer atos de violência, antes os distribuiu, de forma gratuita, sobre todos os manifestantes. Isto apesar de ser claro, para quem lá estava e/ou viu as imagens televisivas, que o arremesso de objetos por um reduzido grupo de pessoas foi tolerado pelas forças policiais. Seguiram-se horas de terror nas imediações da Assembleia da República, que culminaram na detenção de dezenas de pessoas, incluindo um menor, no Cais Sodré — pessoas sem qualquer relação com os incidentes ocorridos durante a tarde. Os detidos, alguns feridos a quem foi negada assistência médica, ficaram incontactáveis durante horas, privados do direito legal de comunicar com a família e advogados, e foram coagidos a assinar autos com espaços em branco, para poderem sair em liberdade - nunca foram, portanto, sequer acusados de nada.

O direito à manifestação vem consagrado na Constituição (e não depende, ao contrário do que muita vez se diz, de qualquer «autorização» — o que o Decreto-Lei nº406/74 estipula é a entrega de um aviso por escrito ao presidente da câmara municipal, com a antecedência mínima de dois dias úteis), e nenhuma democracia é digna desse nome se não o respeita. Mais ainda quando tenta condicioná-lo, fazendo uso de mecanismos repressivos, sem respeito pelas normas que caracterizam um estado de direito. No último ano, temos assistido a casos repetidos de notificação e subsequente instauração de processos a pessoas, pelo simples facto de estarem nas ruas a exercer o direito constitucional de expressar a sua opinião e fazer trabalho de mobilização.

Foi precisamente o que aconteceu a uma das subscritoras da manifestação de 15 de setembro, que foi constituída arguida no dia 8 de novembro, pelo «crime» de organização de manifestação não comunicada, e se encontra, neste momento, com Termo de Identidade e Residência. A suposta «manifestação» terá, segundo a denúncia policial, ocorrido no dia 12 de setembro, e mais não foi do que a conferência de imprensa de divulgação da manifestação de 15 de setembro - em que 15 pessoas seguraram uma faixa em frente da Assembleia da República enquanto falavam com os jornalistas, sem qualquer incidente ou impacto na ordem pública. Aliás, fazemos notar que os agentes da PSP que se deslocaram ao local traziam consigo um mandado de notificação já preenchido, ao qual faltavam apenas os dados da pessoa a notificar.

Porque sabemos que não há democracia com repressão e atropelos ao que fundamenta um estado de direito, denunciamos a estratégia, clara e previsível, de coação por parte das forças policiais. Se contestar pacificamente a austeridade fosse crime, todos seríamos criminosos pelo simples facto de dizer que não concordamos com ela. Porque nos recusamos a cair na armadilha de quem quer tornar as nossas ideias reféns de pedras e bastões, continuaremos a sair à rua, como sempre fizemos: a dar a cara por aquilo que acreditamos, e pacificamente. Temos muito mais do que pedras como argumento, e é por isso que não nos calam, nem com bastões nem com processos por crimes que não cometemos.

(Daqui)

P.S. – Entretanto, a Mariana Avelãs escreveu isto no Facebook, por volta das 17:00: «Bem, antes de mais, obrigada a todos pelas mensagens de apoio. queria só dizer que soube, entretanto, por jornalistas, que o processo foi arquivado. não, ninguém do magistério público me informou, não tive mais visitas simpáticas de alguém a dizer que vem da polícia, esta informação não é sequer oficial. mas são boas notícias. Porém, não apagam o que é importante, que não é eu já poder passear à minha vontade, mas o facto de nos estarem a coagir sem quaisquer escrúpulos. Há muito mais gente acusada em situações semelhantes, com processos ainda em curso, e precisam tanto da nossa/ vossa solidariedade como eu. Mais não seja para ficarem a saber pela comunicação social que os respectivos processos foram arquivados (ou não). Obrigada. e até já, que isto ainda vai no adro.»

5 comments:

Fradique Mendes disse...

Há muito tempo que espero o regresso de uns certos neo-fascistas ao poder em Portugal. E eles já chegaram.

luis reis disse...

Esta merda está linda!!!AI ESTÁ,ESTÁ...

voz a 0 db disse...

Olá...

Nada de surpreendente! OS ESCRAVOS continuam a viver na ILUSÃO que são LIVRES e que não têm que comunicar nada a ninguém!

A Verdadeira funcionalidade da DEMOCRACIA é permitir que os ESCRAVOS tenham LIBERDADE para CONSUMIR... Apenas e só!
Tudo o resto são meras Ilusões das quais as MAIORIAS se alimentam, e pior que tudo, perpetuam...

Abraço

Albino M. disse...

Acho espantoso fazer-se este alarido com relação a um processo anteriormente arquivado!
Todos os intervenientes deviam pedir desculpa aos leitores...
E o que mais me incomoda é que práticas deste tipo são, pode dizer-se, habituais neste canto do espectro político.
Lembram-me, irresistivelmente, a história de Pedro e do lobo...

Joana Lopes disse...

Albino M., para o caso de não ter lido bem: quando o comunicado foi emitido, e quando o divulguei, nem a própria M Avelãs sabia que o processo tinha sido arquivado - soube-o mais tarde por um jornalista, como teve o cuidado de informar e eu de pôr aqui, em P.S.
Quem devia ter pedido desculpa de quê, exactamente? Talvez quem instruiu um processo tão descabelado que o arquivou, mesmo antes de convocar a arguida.