14.1.13

A propósito do internamento de Mário Soares



Nas redes sociais, e em alguma blogosfera, vai longa a discussão em torno do internamento de Mário Soares no Hospital da Luz. O Daniel Oliveira já escreveu o que se impunha sobre o aproveitamento político da situação, mas há mais.

Chegada a hora de precisar de recorrer a uma instituição hospitalar, não deve alguém que sempre defendeu o Serviço Nacional de Saúde recorrer à rede pública, sobretudo num momento em que esta passa por uma fase crucial da sua existência (e mesmo subsistência)? Não é esse dever agravado por se tratar de um ex-presidente da República, que tem uma obrigação especial de dar o exemplo?

Em termos gerais, ninguém ainda conseguiu convencer-me que aqueles que defendem acerrimamente o SNS – universal, tendencialmente gratuito e excelente (e eu defendo) – devem, que mais não seja por uma questão de coerência consigo próprios, sentir-se obrigados a não recorrer ao privado ou fiquem minimamente desconfortáveis quando o fazem.

Toda a gente sabe que, pelo menos até agora, é mais seguro recorrer ao público num determinado número de casos especialmente graves. Mas argumenta-se que, se os «mais ricos» vão ao privado (sempre ou pontualmente), o SNS será cada vez mais só para os realmente pobres. Não vislumbro por que razão, necessariamente. Por falta de utentes? Porque passam a ter pior fama, pior aspecto? Para citar apenas o dito Hospital da Luz, quem o frequenta vê as salas de espera cheias de gente igualzinha à de um centro de saúde, tantas são as convenções (alô ADSE...), PMEs em que o seguro de saúde é negociado como parte do salário, etc. etc. etc. Porque são tirados recursos ao público? Não duvido que o actual governo e as suas troikas só não matam o SNS porque não podem, mas certamente que ninguém espera, ou sequer pretende, eliminar o privado. E a luta pelo SNS é colectiva, não passa por estados de alma e culpabilidades individuais.

Quanto ao segundo ponto – o exemplo a ser dado por um antigo presidente da República, ainda por cima socialista –, o clamor vem da direita e também de alguma esquerda. Mas exemplo de quê? O cidadão Mário Soares deixou de ter liberdade «moral» de escolha porque, há quase três décadas, foi eleito e exerceu um cargo durante dez anos? Se ele tivesse ido para Santa Maria, exigido um tratamento sem favores, estivesse numa enfermaria com mais 5 ou 6 pessoas, não seria acusado de populismo? Se Cavaco Silva precisar de ser hospitalizado tem de ir para S. José? Somos mais papistas do que qual papa? Estamos na Coreia do Norte? Até Hugo Chávez escolheu um serviço de saúde aparentemente melhor que o do seu país e está em Cuba!...

Dar exemplos de outras áreas pode ajudar, fiz mais de uma vez esta pergunta no Facebook, mas ninguém respondeu: por defender que os transportes públicos devem ser excelentes e tão baratos quanto possível, para todos, em parte à custa dos meus impostos, devo deixar o carro á porta e a andar de autocarro? Isso é bom para quem? 
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4 comments:

CNS disse...

Estamos, a meu ver, a entrar numa fronteira perigosa do fundamentalismo.

Anónimo disse...

A questão é que não tenho dúvidas que o indivíduo em questão estaria mais protegido no público que no privado. Por enquanto...

voz a 0 db disse...

Olá...

Eu dispenso bem estas "notícias"... Pouco me importa se fulano A está no hospital a recuperar do último ataque de um vírus da gripe...
Não consigo encontrar nela NADA que contribua nem para a minha felicidade, nem para o meu dia-a-dia (escravo) nem para NADA... Ficar a saber disto ou não ficar a saber é-me perfeitamente igual...
E como comparação, esta notícia está para mim, como a da Pépa está para a Joana! Nem mais nem menos...

De qualquer forma acho engraçado o pessoal esperar que os RICOS façam uso do SNS... É mesmo engraçado!

Abraço

Libertário disse...

Ao contrário da Joana sou de opinião que as pessoas, principalmente as figuras públicas, deveriam ser consequentes com as ideias que dizem defender...Ainda mais nos tempos que correm.

Ver os políticos sem seguranças, nem motoristas, viajarem em transportes públicos e comportarem-se como pessoas comuns, e não serem ladrões e vigaristas, era algo que gostaria, apesar de tudo, de ver neste país. Mas isso só acontece em algum país nórdico ou com o Presidente do Uruguai.
No entanto, quem, como eu, sabe que os donos do Poder são um mero segmento das classes dominantes não se pode admirar com essas «incongruências» dos políticos de esquerda que usufruem das vantagens da classe a que pertencem.