... é o texto de uma bela crónica de José Vítor Malheiros, hoje, no Público (sem link).
«Na política portuguesa, o futuro deixou de existir. Claro que existirá quando lá chegarmos, mas deixou de existir como futuro, como lugar para onde nos podemos projectar, como um tempo que sucede ao presente, como um tempo para onde podemos fazer planos, sonhar e ter esperança. Estamos aprisionados no presente, no interior de um daqueles pisa-papéis de vidro maciço, com bolinhas coloridas a flutuar à nossa volta, de olhos bem abertos mas com a mesma impossibilidade de olhar para o dia de amanhã que temos de olhar o Big Bang nos olhos. O horizonte do acontecimento para além do qual nada é sequer remotamente perscrutável é hoje à meia-noite. É todos os dias à meia-noite. (...)
Nada desse futuro do outro lado do espelho decorre da vontade do povo ou do interesse da maioria ou dos programas eleitorais e, por isso, todos os exercícios de previsão com base na lógica e na democracia se mostram inúteis. Tudo o que possamos imaginar é acto de fé, superstição, especulação metafísica ou ficção científica. (...)
Nesse futuro insondável e irracional nem a lei da gravitação universal permite fazer previsões. O poder político já não atrai, mas repele. O Governo não quer o poder e a oposição também não, o PR ainda menos. Ou talvez não, não se percebe. E o Parlamento só passa espectáculos de circo, com Luís Montenegro, esplendoroso no seu dólmen vermelho e dragonas douradas, gordo como uma rã que quer ser tão gorda como um boi, a rir de satisfação em cima do seu elefante, enquanto Assunção Esteves, alheada do mundo, linda com a sua sombrinha nova, faz piruetas sobre o arame. (...)
Neste futuro imperscrutável há umas escassíssimas certezas, que qualquer cartomante de feira pode garantir: os offshores vão continuar a mandar, o PSD e o CDS a obedecer, Seguro não saberá o que pensar e Relvas vai-se safar. Tudo o resto é nebuloso. (...)
A única vantagem deste cenário é que, como o futuro não tem nada que ver com o presente, não há nenhuma razão para sermos bem-comportados e esperarmos uma recompensa pelos sacrifícios. O futuro já está decidido pelo Joker e o Joker faz sempre batota. Resta-nos, para não perder a dignidade, perder a paciência.»
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