22.2.13

Na noite em que vi porcos a andar de bicicleta




Assino por baixo o que o Zé Neves escreveu no Facebook:
«Não votei em António Costa para presidente da Câmara de Lisboa, não vejo no seu mandato motivos para votar nele nas próximas eleições, mas nunca tive vergonha por viver numa cidade presidida por Costa. Mas ao ver este vídeo tenho quase tanta "vergonha do outro" ao ver Costa como tenho ao ver o Relvas a trautear a Grândola. E o que não se perdoa a Costa, de todo não se perdoa, é obrigar-nos a ver o Lobo Xavier como um gajo sensato, para já não falar do Pacheco. »
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5 comments:

António Pedro Pereira disse...

Joana:
Apesar de a sua posição ser legítima, discordo frontalmente dela.
Mas nem por isso vou usar este espaço, protegido pelo anonimato, para lhe fazer o que fizeram ao autodesclassificado Relvas.
Sirvo-me de 2 comentários para ilustrar melhor o que penso.

O 1.º, do Embaixador Seixas da Costa, no seu blog: Duas ou Três Coisas.
«Post impopular
Acho triste o contentamento que anda aí em certas hostes com o achincalhamento público e o boicote da palavra de um membro do governo. Em democracia, o direito à manifestação e até à indignação tem sempre de ser compatível com o respeito devido às figuras institucionais e, em particular, o respetivo direito à palavra. Por muito que alguns não gostem de certas autoridades da República, a verdade é que se trata de personalidades que assumiram os cargos que hoje ocupam com plena legitimidade. As formas públicas de expressar o legítimo descontentamento têm assim de ser compatíveis com o quadro de deveres que a democracia impõe.
Sei que há quem não goste de ouvir isto embora desconfie que, se tocasse "aos seus", a posição dessas pessoas seria diversa.»

O 2.º, de Porfírio Silva, no seu blog: Machina Speculatrix.
«Que pensar, enquanto democratas, dos boicotes às aparições dos ministros por esse país fora?
Como já escrevi antes, sou por princípio contra esses métodos, embora - assumo a contradição, que é uma contradição entre o lado emocional e o lado racional - às vezes nos falhe a determinação institucional e acabemos por sentir (sublinho: sentir) "toma que é para perceberes".
De qualquer modo, tendo eu expressado publicamente esse estado indesejável em que os princípios são abalados pela voragem da vida ("quem sabe do desespero dos outros?"), não posso agora fugir a acrescentar dois pontos à reflexão sobre os acontecimentos que se têm sucedido.
Em primeiro lugar, a justificação fácil de que "o Relvas é um bom alvo", quer dizer, o ministro Relvas não tem moral para andar por aí a pregar - é uma justificação que fica muito curta quando o procedimento se generaliza. Especificamente, quando o ministro da saúde, Paulo Macedo, também é boicotado, é claro que a justificação "moral" não pega. Pode não se concordar com nada do que ele tem feito, mas o seu perfil político e comportamental é de recorte bem diferente do que se pode imputar a Relvas. Fica à vista, assim, que a "desculpa Relvas" é curta: não resiste à qualidade do alvo. E não resiste à generalização, porque um acto isolado, espontâneo (?), uma fúria que foge ao nosso padrão democrático, pode ser explicada ou entendida - mas a repetição, a insistência, a adopção do boicote como método, é outra coisa e é condenável.
(continua)

António Pedro Pereira disse...

(continuação)

Em segundo lugar, cabe analisar a acusação de que esses boicotes "limitam a liberdade de expressão" do ministro atingido. Parece-me essa acusação perfeitamente disparatada: qualquer um dos ministros boicotados tem muitos meios e locais para apresentar todas as suas opiniões, de forma perfeitamente audível para os auditórios restritos que testemunharam os boicotes ou para auditórios mais vastos. Usar e abusar da acusação de "limitação da liberdade de expressão" é apenas um truque.
O que está em causa, a meu ver, é outra coisa: é o respeito pelos espaços institucionais e sociais de confronto de ideias. Uma canção, uma berraria, uma pateada, uma vaia, podem perfeitamente servir para incomodar, mas não servem para expor a força das ideias alternativas. Eu perceberia melhor se aproveitassem sessões públicas para dirigir, intempestivamente que fosse, perguntas incómodas aos ministros. Obrigar um ministro a responder - ou a exibir a não resposta - a uma pergunta significativa, a uma pergunta que mostre os silêncios da governação sobre aspectos gritantes da realidade, que exponha as contradições entre o programa e a prática do governo, que obrigue a pensar nos efeitos da governação e confronte os responsáveis. Acho que isso seria mais democrático, não constituiria nenhum ataque à pessoa do ministro (o que é, de facto, inaceitável), colocaria as questões no plano da cidadania (abrir espaços de debate que não respeitem o formato escolhido pelos governantes para falarem) e, suponho, seria compreendido mais favoravelmente pelas pessoas que não querem que o seu desespero seja instrumentalizado como "campanha preparatória" para manifestações ou quaisquer outras acções, por muito legítimas que sejam.
Quando, em 1969, Alberto Martins, presidente da Associação Académica de Coimbra, se dirigiu ao presidente da república a pedir a palavra, em nome dos estudantes, numa sessão solene que não estava para ouvir os estudantes, provocou um efeito duradouro na história da resistência à ditadura - mas esse efeito não se deveu a nenhuma agressividade no gesto (o seu pedido foi educadíssimo), antes se deveu ao seu sentido profundo e à sua justeza. Não seremos capazes de reinventar gestos de protesto mais claramente relevantes pelo seu conteúdo do que pela agressividade explícita que exibem?»

Estas 2 posições retratam muito bem, quer as questões de princípio que estão verdadeiramente em causa, quer as questões de eficácia da contestação.
Não chega ter razão, não podemos ter razão a qualquer preço.
Além de terem um efeito demolidor no ambiente de vivência democrática e de debate de ideias entre as pessoas, que estão cada vez mais dominados pela agressividade «a priori», tantas vezes gratuita.
Não se discutem argumentos, discutem-se pessoas, tantas vezes se trocam apenas insultos entre as pessoas, a partir de trincheiras óbvias, fruto de um maniqueísmo esquizofrénico estéril.
Eu ainda acrescento um 3.º aspecto interpretativo à frenética acção pública de Relvas, tenho, mas só o colocarei aqui se vir da sua parte interesse na troca de impressões.

Joana Lopes disse...

Muito obrigada pelos seus comentários.
Conhecia já esses textos e outros que vão no mesmo sentido.
Em resumo, se pus aqui este vídeo, é porque subscrevo o que Pacheco Pereira, e também Lobo Xavier sintetizaram.
Concretamente:
- É mesmo por falta de hábitos de protestos pacíficos e democráticos que se faz este alarido todo com este caso (ALX);
- Não tivesse Relvas sido cobarde no ISCTE, tivesse esperado e pedisse à TVI que resolvesse a situação e tudo teria sido diferente JPP). Passos Coelho na AR e P. Macedo no Porto souberam lidar com a situação.

António Pedro Pereira disse...

Joana:
Não deu sinal de querer saber da minha interpretação, nem o contrário, mesmo assim deixo-lha:

Tenho para mim que este frenesi de Relvas, que suscita as manifestações, não é mais do que «gato escondido com rabo de fora» por parte do governo.
O Relvas, depois de ter sido desmascarado na equivalência folclórica da Licenciatura, remeteu-se um pouco ao silêncio, quase desapareceu do palco.
Era ainda o tempo dos «amanhãs que cantariam» de Gaspar.
Agora, com os indicadores económicos quase todos de pantanas: queda do PIB (recessão continuada); aumento da dívida pública para 198 mil milhões; défice (qual Alfa & Ómega) aliviado pela Troika mas mesmo assim incumprido; desemprego galopante; iminência de desagregação do tecido empresarial das PME; iminência de desagregação social; emigração galopante, eis que o Relvas regressa em força à ribalta.
E ainda não chegou à economia o efeito da bomba atómica do tão desejado e salvítico corte dos 4 mil milhões.
É que assim, com todo este folclore dos boicotes, das cantorias da Grândola, se marca a agenda política e mediática.
Desaparecem ou são reduzidas ao mínimo as más notícias sobre a economia e as pessoas.
Não se fala dos antigos gestores (especialistas na vigarice) do BPN / SLN, que foram quase todos colocados na gestão das actuais sociedades-veículo dos activos tóxicos do BPN / SLN (a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas). Quem melhor conhece do assunto para dar «eficácia» à coisa?
Fala-se menos do senhor Salgado, que regularizou o seu esquecimento de 8,5 milhões de euros junto do DIAP e do Fisco… a seu pedido.
Fala-se menos dos 2/3 da pensão do senhor Jardim Gonçalves (de 175.000€ / por mês) que estão isentos da contribuição solidária.
Fala-se menos dos «preguiçosos» que começam a perder apoios (desempregados, RSI)… puxa, já não era sem tempo.
Fala-se menos do desemprego que cresce de forma galopante apesar da igualmente crescente emigração.
O regresso do parolo do Relvas não é inocente.
Há sempre um bobo da corte disposto a divertir o pessoal.
Acho estranho que os manifestantes, que têm legitimidade e razões para se manifestarem, não se apercebam de que com o folclore relvítico se está, ou pode estar, a voltar contra eles.
Só falta um murro no Relvas para se criar um novo caso Mário Soares na Marinha Grande.
Se calhar sou eu a delirar… sou muito dado a delírios.
Ou será apenas uma visão cínica da realidade?

Joana Lopes disse...

António,
O que diz tem pés para andar e dou-lhe parcialmente razão. Aliás, há quem diga que o Relvas preparou e encenou a cena no ISCTE por razões deste tipo.
Mas a solução não é certamente parar com manifestações e protestos como os que estão a acontecer. A população não pode viver sentada no sofá ouvindo desgraças através das TVs, nem é especialista para escrever textos ou proferir palestras sobre economia e finanças.
Há que viver com as duas coisas: chamar a atenção para a gravidade do que se passa e protestar.
Não esquecer que as pessoas estão mesmo furiosas e que até têm sido muito moderadas nas lutas – pelo menos até agora.