12.3.13

Grandolar o futuro


O Editorial de Le Monde Diplomatique, Março de 2013, por Sandra Monteiro

Estamos a viver uma catástrofe social. A ideologia neoliberal programou-a há mais de duas décadas, quando começou a impor, a larga escala, a financeirização da economia, a liberalização das trocas e a centralização das políticas monetárias. O controlo das escolhas orçamentais dos Estados a que se assiste agora, a pretexto da crise, nos países cujos padrões de especialização produtiva os levaram a endividar-se mais com o exterior – dívida privada e pública – é, no essencial, a tradução de uma tragédia que vem de longe. Uma tragédia que nenhuma regulação do sistema financeiro global quis evitar, que nenhuma estratégia europeia de solidariedade e coesão alguma vez quis impedir. E que foi reforçada por escolhas de governos que não compreenderam bem a dimensão da destruição engendrada, ou que, compreendendo-a, a saudaram.

A maioria dos portugueses e demais europeus não viu esta catástrofe chegar. Os sucessivos governos nacionais e da União Europeia, associados a uma frente constituída por elites financeiras, académicas e mediáticas, muito activa e com poderosas redes no mundo dos negócios privados, foram escondendo a debilitação da estrutura produtiva e o desvio dos instrumentos de política económico-financeira para finalidades contrárias ao bem comum. O espaço do debate público foi ocupado pela retórica da modernidade, da flexibilidade e da competitividade europeias, na verdade mais sinónima de desregulamentações, privatizações e explorações do que de coesão social ou territorial, integração económica e aprofundamento do «modelo social europeu».

A catástrofe social, quando nos atingiu em força, já tinha raízes profundas. Ela não é neste momento comparável, em grau e extensão do sofrimento, à tragédia que nos é mostrada pelas imagens da fome, uma fome silenciosa e esquelética, que associamos ao sul dessa espécie de território que tem sido o Estado social e democrático. Mas já tem todo o peso, e o silêncio, dos cortes que deixaram de ser feitos na margem e ameaçam a sobrevivência. Não apenas a sobrevivência material, com a perda de salário, emprego, prestações sociais, tecto ou comida. Os cortes ameaçam também a sobrevivência emocional, com a perda de familiares e amigos para a depressão, o suicídio, o isolamento ou esse exílio forçado a que chamamos emigração.

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