Eu sei que estamos em vésperas do 25 de Abril, e não do 25 de Novembro, mas um episódio da série «E depois do adeus», que a RTP1 transmite ao Domingo, traz à liça um facto curioso, sublinhado pelo seu protagonista – Manuel Duran Clemente –, em Nota difundida no Facebook: nunca a televisão tinha transmitido, até agora, em excerto tão longo da sua histórica intervenção, alegando que o registo da mesma se tinha perdido.
Como é sabido, pelas 21:10 de 25 de Novembro de 1975, quando Duran Clemente, segundo-comandante da Escola Prática de Administração Militar, falava na televisão a partir dos estúdios do Lumiar, a emissão foi cortada e passou a ser assegurada pelos estúdios do Porto. começando a ser imediatamente exibido um filme com Danny Kaye... O acontecimento ficou marcado, para sempre, como o símbolo vivo do fim do PREC.
Texto de MDC, publicado ontem no Facebook:
«Ao ver hoje o programa "E depois do adeus" fiquei surpreendido. Pela primeira vez em 38 anos, passam parte da minha intervenção na RTP. Note-se que eu falei cerca de 10 minutos. Foi pedida pelo tribunal a cópia desta minha intervenção no seu todo, mas nunca foi cedida pela RTP. Foi pedida por mim, comprando-a, nunca me foi disponibilizada – tinha desaparecido da RTP a intervenção completa.
Era a desculpa. Sempre fizeram passar, ao longo dos anos, apenas os últimos momentos da parte "gaga" e final do corte... para desclassificar a intervenção.
Foi bom hoje ver parte da serenidade da minha intervenção, apesar do momento grave, e concluir como se escondem as coisas para denegrir os que têm razão... perante a História. Mais uma reflexão.
Vou colocar outra vez a intervenção completa.»
Que aqui fica também:
INTERVENÇÃO
NA RTP em 25 de NOVEMBRO DE 1975
1.-O
texto é uma recolha dos autos do tribunal e correspondem, mais ou menos, ao
improviso feito pelo Cap. Duran Clemente entre as 20h30 e as 20h49 daquele dia
no Telejornal.
2.-Durante a tarde deste dia, às
15H00, forças militares da Escola Prática de Administração Militar, coordenadas
pelo Cap. Duran Clemente, então 2º Comandante daquela unidade, facultam o
acesso aos “ecrans” a uma comissão de Paraquedistas, do Regimento de Tancos,
com a intenção de esta explicar a razão da sua operação efectuada na noite
anterior na Região Centro, considerada apenas de tomada de posição contra o seu
Chefe do Estado Maior.
A.
Improviso dito no Telejornal:
Infelizmente
a RTP não está a ser ouvida em todo o país. Isto acontece porque o emissor da
Lousã já está a servir os estúdios do Porto. Há um corte feito por via
administrativa e determinado não sei bem por quem!
Relativamente
à antena de Monsanto ( Lisboa ) tivemos noticias de que haveria movimentações
dos Comandos( de Jaime Neves ) para, no local, ela ser desligada e na sequência
ser interrompida a emissão destes estúdios.
Aqui ( nos
estúdios da RTP/Lumiar) a situação é calma e as forças militares estão
perfeitamente dispostas a defender aquilo que é de todos nós, sobretudo do povo
trabalhador!
Contrariamente
a determinadas insinuações e calúnias, é evidente que não pretendemos a
desordem, não pretendemos a falta de autoridade, não pretendemos a indisciplina…nada
disso!
Pretender
uma sociedade socialista não é querer a sociedade da “tanga” ou uma sociedade
de austeridade inconfortável ou da anti-cultura ou de tudo quanto se difunde
pejorativamente…
Isso é um
completo disparate, propalado por forças de direita (por forças da reacção),
com o intuito de impressionar os portugueses… Mais uma vez especular e explorar
a falta de consciência política. Enfim, aproveitar o obscurantismo de tantos
anos… de tantos anos em que o fascismo manipulou o povo português.
Temos de
acabar, de uma vez para sempre, com estas especulações; com esta outra face da
exploração, que é mais uma forma de repressão do povo trabalhador português.
Nós
queremos, de facto, a ordem democrática, a disciplina consentida, uma disciplina
revolucionária, uma autoridade não-repressiva.
Queremos
sobretudo que as novas estruturas, que as transformações neste processo, sejam
criadas sob o ponto de vista dos explorados, sob o ponto de vista dos
trabalhadores… isto é, sob o ponto de vista duma maioria que são efectivamente
os desfavorecidos face a uma minoria que são (ou têm sido) os exploradores,
seus intermediários ou seus lacaios.
É importante
que as pessoas tenham consciência disso!
Queremos
também que não haja mais ambiguidades neste processo. Que se clarifique, de uma
vez para sempre, o MFA (um MFA que tem sido ambíguo ), um MFA cheio de
contradições… através das quais se tem afastado cada vez mais das metas a que
se propôs.
Não é
recuando…
É não ter
perspectiva histórica, não ter uma perspectiva revolucionária. Não podemos
continuar a recuar para atingir o objectivo de uma sociedade socialista.
O que nós
vemos é que ainda há estruturas… ainda há organismos onde existem reaccionários
muitas vezes até sem querer sê-lo, sem consciência disso, mas que
objectivamente o são. Pessoas que por estarem em determinado lugar através da
sua acção: através dos papeis, através das burocracias boicotam muitas vezes
até o que já foi decretado pelo Governo.
Nós sabemos
que muitas das pessoas, muitos dos pequenos e médios agricultores, muitos dos
pequenos e médios comerciantes têm sido postos contra o processo revolucionário
português. É preciso ter a perspectiva de que não são os erros das forças
progressistas que põem as pessoas contra o processo.
Quem o faz é
a acção da “reacção”: é a direcção internacional capitalista. Esquecemo-nos que
ela existe? Existe e actua… e aproveita-se, neste País, da ingenuidade, da
falta de consciência de muitos de nós e, sobretudo, dos problemas e das
alienações, dos vícios e das mentalidades dos próprios militares e, até dalguns
dos oficiais do MFA, quando constituídos como sua vanguarda: a das Forças
Armadas.
O MFA não
era mais do que uma vanguarda das Forças Armadas contendo oficiais com
determinado grau de consciencialização politica… mas muitos outros não tinham
qualquer consciencialização política.
No 25 de
Abril o MFA tinha oficiais que sabiam o que era o Socialismo ou a Democracia,
mas tinha, muitos que não sabiam o que isso significaria…. Por isso, posso
dizer, alguns atingiram o seu “princípio de Peter”, como se costuma dizer, isto
é, atingiram o seu limite de competência revolucionária.
Isto não
pode ser!
Para bem do
povo português, para que efectivamente o processo revolucionário prossiga, há
necessidade que as coisas se clarifiquem e que aqueles ( sobretudo os oficiais
) que não são capazes, se atingiram o tal limite ( essa competência )… têm que
se afastar dele…
E não
podemos permitir que sejanos gabinetes, que seja pela via administrativa………”
( … um
técnico da RTP: começa a fazer sinais do lado das câmaras… ) (1)
Estão-me a
fazer sinais, eu não sei se posso continuar… (… dirigindo-se ao locutor, ao
“pivot” António dos Santos…)… não posso continuar a falar por razões
técnicas é isso!?! Não posso?!? Não posso continuar a falar por razões
técnicas? Então continuo daqui a pouco, não poderá ser?! Estava aqui a ser … a
minha intervenção estava a ser perturbada pelos sinais dos técnicos… acho
que devemos explicar às pessoas com naturalidade… não é verdade?”
(… locutor/pivot,
António Santos: - Perturbar no sentido de elucidação!...)
“Tecnicamente
eu não posso continuar a falar. Continuaria porque gostava de desenvolver este
tema. Até para explicar melhor qual é a nossa posição e o que nos trouxe aqui.
Está certo?”
(…António
Santos: - Não sei, não sei, realmente qual é o pormenor que neste momento pode
limitar ou não…)
[A emissão é
transferida para os estúdios do Porto através da actuação técnica a partir da
antena de Monsanto (Lisboa ) já sob o controlo dos Comandos, após ter sido
capturado o colaborador da RTP que possuía a “chave técnica” para a operação.]
Observações:
(1) -
Este colaborador da RTP que estava de serviço na antena, em Monsanto, contactou
um colega dos estúdios do Lumiar, solicitando-lhe para avisar o Capitão Duran
Clemente de que não conseguia manter-se escondido por muito mais tempo e que a
emissão iria ser transferida para o Porto logo o apanhassem. É esse o
significado dos sinais,feitos do lado das câmaras (que filmavam) que levam à
perturbação da intervenção supra descrita.
(2) -
Aliás em comunicado feito na RTP muito antes do Telejornal, Duran Clemente
havia dito, mais do que um vez:
“Queria também esclarecer o Povo
português, que está preocupado ao ouvir- nos, que nós,
aqui no Lumiar, estamos perfeitamente bem. É provável quenos silenciem a
antena, a partir de Monsanto. Não sabemos o que se passa…. Se, efectivamente,
deixarmos de estar nos “ecrans”, é porque a antena ( em Monsanto) foi
neutralizada.
Não se
trata de neutralização(ou prisão) do pessoal que está aqui nos estúdios no
Lumiar. Quem aqui está pretendia apenas que a voz dos trabalhadores não fosse
silenciada.
Apelo
para a serenidade, para a vigilância revolucionária, inteligente e serena de
todos os trabalhadores.Unidos venceremos!. »
.
2 comments:
Quando é para 'repor a verdade dos factos', nunca é tarde...
Domingos pimenta
(testemunha factual)
Lembro-me perfeitamente de estar à porta da EPAM, da «alteração do ambiente» e de ter ido em busca de explicação para os factos.
Regressei a casa já de madrugada, ruas desertas evidentemente. E perto das «torres do Restelo», no desvio para a autoestrada para Lisboa, em cima da relva estava um chaimite do Jaime Neves. Eu já sabia, mas custou-me.
Enviar um comentário