«A austeridade é uma espécie de ponto de concentração de toda a teoria económica do liberalismo, um concentrado de toda a sua insensibilidade social, que começa pela ideia de que o desemprego é voluntário e, mais recentemente, se manifesta numa espécie de fúria contra o estado social.
Em Portugal, a austeridade está a atingir o seu apogeu quando se começam a notar fissuras entre os seus mais estrénuos defensores. Há um momento em que a insensibilidade social tem um limite: quando a sociedade assume colectivamente que não pode pagar mais e que as penalizações a que está a ser sujeita exorbitam o razoável. A partir daí o liberalismo não tem respostas. (...)
E não se pense que é por muito se acreditar, ou por muito se afirmar que não há alternativa, que a austeridade se torna mais aceitável. Alguém tem de pôr fim a este perigoso experimentalismo, que está a pôr irreversivelmente em causa alguns valores democráticos fundamento da organização das nossas sociedades e a reduzir a limites impensáveis os limiares de bem-estar e de qualidade de vida de milhões de europeus durante várias das próximas gerações. (...)
O que está a ser feito no nosso País, os sacrifícios que nos estão a ser impostos não têm justificação nem económica, nem social, nem racional. Estamos no domínio onde se confunde realidade com ficção. (...) Podemos obedecer às imposições dos credores externos sem perder a dignidade nem apresentar o ar obediente de quem cometeu o pecado absoluto. Outros estiveram em situações semelhantes à nossa, alguns dos que agora nos punem, e saíram sem ter de se humilhar. (...)
Tudo isto não passa de cortinas de fundo engendradas entre políticos e os grupos económicos e financeiros que, lá e cá, parasitam o regime democrático até que este se consuma de vez. O problema não são as necessidades inerentes ao ajustamento necessário, como não me canso de escrever; o problema é o défice de verdade.»
José Maria Brandão de Brito
(O link pode só funcionar mais tarde)
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