Cerca de um mês depois das eleições presidenciais de 1958, às quais Humberto Delgado tinha concorrido, mais precisamente no dia 13 de Julho, António Ferreira Gomes, bispo do Porto, escreveu uma longa e corajosa carta a Salazar, que lhe valeu dez anos de exílio em Espanha, França e Alemanha, entre 1959 e 1969.
Para muitos, sobretudo católicos, a conjugação destes dois acontecimentos – eleições com Delgado e carta do bispo do Porto – foi o verdadeiro pontapé de saída para a resistência e luta contra a ditadura, durante as décadas que se seguiram.
Aproveito o pretexto para recordar este poema de Sophia de Mello Breyner:
D. António Ferreira Gomes
Na cidade do Porto há muito granito
Entre névoas sombras e cintilações
A cidade parece firme e inexpugnável
E sólida – mas habitada
Por súbitos clarões de profecia
Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões
Assim quando eu entrava no Paço do Bispo
E passava a mão sobre a pedra rugosa
O paço me parecia fortaleza
Porém a fortaleza não era
Os grossos muros de pedra caiada
Nem os limites de pedra nem a escada
De largos degraus rugosos de granito
Nem o peso frio que das coisas inertes emanava
Fortaleza era o homem – o Bispo –
Alto e direito firme como torre
Ao fundo da grande sala clara: fortaleza
De sabedoria e sapiência
De compaixão e justiça
De inteligência a tudo atenta
E na face austera por vezes ao de leve o sorriso
Inconsútil da antiga infância.
P.S. - Leitura aconselhada: Obviamente... – texto da intervenção de José Manuel Pureza, na sessão comemorativa do 50º aniversário da carta, que teve lugar em Coimbra, em 13 de Julho de 2008.
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