16.8.13

«Reforma» por carta



«A relação dos portugueses com o Estado é longa e reverente. Desde há muito que se criou no país uma relação de dependência de todos os sectores da sociedade civil face à mão segura do Estado. O ouro, a pimenta e os escravos nunca serviram para acumular riqueza. O Estado apropriou-se dos dividendos, distribuiu-os pelos que tinham melhores conexões com isso, criou monopólios e comprou terra. Deu escassa atenção ao comércio e nenhuma à indústria. O dinheiro foi parar aos bancos criados na Alemanha e na Inglaterra e serviram para alimentar a Revolução Industrial nesses países. O cíclico penar da dívida e do défice começou. Portugal perdeu o comboio do progresso e nunca mais o voltou a apanhar. Sem uma sociedade civil forte e sem a criação de empresas nacionais com capitais próprios (o Marquês de Pombal bem o tentou, mas os resultados foram escassos, até porque as rendas eram mais vantajosas do que o risco), o Estado entronizou-se como a salvação dos portugueses. (...)

Os novos ventos liberais dos anos 80 chegaram tarde a Portugal, mas aterraram em força com o Governo de Passos Coelho. Com a desculpa das imposições da troika, o executivo diz estar empenhado numa "reforma do Estado". Como se sabe a única "reforma" que se pretende é o despedimento de dezenas de milhares de funcionários públicos às cegas. A ideia não é reformular o Estado de forma que cumpra as suas obrigações e que tenha uma efectiva força política num mundo onde ele a tem perdido. Não é criar um Estado moderno: é simplesmente abater funcionários.

Não é esse o objectivo com estas cartas que o Governo manda a pressionar os funcionários a rescindir os contratos. Porque o Governo não tem a intenção de reformar nada. Quer simplesmente destruir a esfera pública, numa missão puramente ideológica. É a "missão Letónia" para Portugal. A "reforma" faz-se através da política de circulares e não das decisões estratégicas.»

Fernando Sobral (sem link)
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