Retomo em parte um texto que publiquei a propósito da «Revolução Húngara» que teve início em 23 de Outubro de 1956.
Tudo começou numa terça-feira, no centro de Budapeste, com uma manifestação de milhares de estudantes que tentaram ocupar a rádio e foram reprimidos. A revolta alastrou depois ao resto do país, provocou a queda do governo e a sua substituição. Em 4 de Novembro deu-se a invasão pelas tropas do Pacto de Varsóvia e a resistência acabou daí a seis dias.
A operação saldou-se por alguns milhares de mortos e por um verdadeiro êxodo de cerca de 200.000 húngaros, sobretudo jovens, que fugiram do país e pediram asilo um pouco por toda a Europa e também na América, do Norte ao Sul.
E é aqui que entra a minha história. Entre os muitos países procurados por jovens estudantes que foram saindo da Hungria assim que puderam, a Bélgica foi um deles e eu cheguei à Universidade de Lovaina um ano mais tarde. Já encontrei muitas dezenas e vi chegar outros, ainda com olhar inquieto depois de longas peregrinações por diferentes paragens. Partilhei residências universitárias com alguns e, curiosamente, houve imediatamente uma grande empatia ente húngaros e os pouquíssimos portugueses que por lá andavam.
Tudo era ainda muito recente, as histórias multiplicavam-se e estarreciam-me pela total novidade que eram para quem chegava do Portugal de Salazar e nunca tinha conhecido qualquer cidadão de Leste. Durante muito tempo, estudei, li e interpretei muitas realidades, não só mas também com «olhos húngaros». E, quando aconteceu Praga 68, foi Budapeste 56 que imaginei permanentemente.
Poderia contar dezenas de episódios, mas limito-me ao mais trágico: um surto de loucura (latente, certamente, mas que só se revelou alguns anos depois da fuga), numa rapariga impecável e inteligentíssima, que vivia na mesma residência que eu e com quem lidei durante anos, e que um dia se barricou no quarto durante várias horas, ameaçando suicidar-se, porque via caras de soldados russos reflectidos no lavatório e tinha outras alucinações do mesmo tipo. Só cedeu a um polícia, também inteligente, que do outro lado da porta a convenceu de que vinha prender os russos e a levou para um hospital psiquiátrico.
No dia seguinte, defendi a minha tese de doutoramento e dois dias depois regressei a Portugal. O fim da minha longa estadia belga ficaria para sempre ligado a uma terrível recordação de Budapeste 56.
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2 comments:
Também vieram para Portugal de Salazar e Espanha de Franco muitos reaccionários hungaros.
Puskas, Kocsis, Czibor para o Real e o Barcelona e o treinador do Sporting Sezabo.
Este tinha um filho que alferes foi para a nossa guerra do Ultramar e morreu em combate.
Também um padre húngaro, chamado Condor veio da Hungria e dedicou-se à santificação dos pastorinhos de Fátima, penso que dentro da luta anti-soviética.
Há personagens notáveis na revolução húngara, verdadeiros revolucionários, a começar por Nagy e houve contributos muito positivos para a renovação do marxismo (por princípio, sempre aberto), até considerando que Lukacs era húngaro.
No entanto, como disse o comentador antes, tem de se fazer a história do envolvimento da igreja católica na revolução húngara. Para além dos casos referidos, há também outro que conheci pessoalmente, Lechner, um jornalista que depois foi o homem de mão para toda a comunicação social do patriarcado de Lisboa e muito envolvido na Universidade Católica.
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