22.1.14

«Pirataria» contra a ditadura



Em 22 de Janeiro de 1961, algures no mar das Caraíbas, 12 portugueses e 11 espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.

Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)

Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.

Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e fui acordada às primeiras horas da manhã pela directora da residência universitária onde morava, que me disse que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar.

Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...

A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribili para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)

Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram os hackers daquele início da década de 60: hoje talvez pudessem utilizar frigoríficos e televisões num espectacular ciberataque.




Muito interessante: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.
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